sábado, 22 de junho de 2013

De uma carta de São Tomás More, escrita no cárcere a sua filha Margarida (The English Works of Sir Thomas More, London, 1557, p.1454) (séc. XVI)


Hans Holbein, o Jovem - Sir Thomas More - Google Art Project.jpg


       Ponho-me inteiramente nas mãos de Deus com toda a esperança e confiança


          "Embora eu tenha plena consciência, minha Margarida, de que os pecados da minha vida passada mereceram justamente que Deus me abandone, nunca deixarei de confiar na sua imensa bondade e de esperar com toda a minha alma. Até agora a sua santíssima graça deu-me forças para tudo desprezar do íntimo do coração – riquezas, rendimentos e a própria vida – antes que prestar juramento contra a voz da minha consciência. Foi Deus que, benignamente, levou o rei a privar-me até ao presente, só da liberdade. Com isto, em vez de me fazer mal, sua Majestade concedeu-me para proveito espiritual da minha alma, assim o espero, um benefício maior do que com todas aquelas honras e bens que antes me dispensava. E espero confiadamente que a mesma graça divina há-de continuar a favorecer-me, ou acalmando o ânimo do rei para que não me imponha tormento mais grave, ou dando-me a força necessária para suportar tudo, seja o que for, com paciência, fortaleza e boa vontade.
        O meu sofrimento, unido aos méritos da dolorosíssima paixão do Senhor – infinitamente acima de tudo quanto eu venha a padecer – aliviará as penas que mereço no Purgatório e, graças à bondade divina, acrescentará também um pouco a minha recompensa no Céu.
           Não quero desconfiar, minha Margarida, da bondade de Deus, por mais débil e fraco que eu me sinta. Mais ainda: se, no meio do terror e da consternação, eu me visse em perigo de ceder, lembrar-me-ia então de São Pedro, que, à primeira rajada de vento, começou a afundar-se, por causa da sua pouca fé, e procuraria fazer o que ele fez: gritar a Cristo: Salvai-me, Senhor. Espero que Ele estenderá a sua mão para me segurar e não me deixará afogar.
         Mas se Deus permitisse que a minha semelhança com Pedro fosse mais longe, a ponto de eu me precipitar e cair totalmente, jurando e abjurando (que Deus, por sua misericórdia, afaste para bem longe de mim tal calamidade e que dessa queda me venha antes castigo do que benefício), ainda em tal caso, espero que o Senhor me dirigiria, tal como a Pedro, um olhar cheio de misericórdia e me levantaria de novo para eu voltar a defender a verdade, para descarregar a consciência e suportar corajosamente o castigo e a vergonha da minha anterior negação.
          Finalmente, minha Margarida, estou inteiramente convencido de que, sem culpa minha, Deus não me abandonará. Por isso com toda a esperança e confiança me entregarei totalmente nas mãos de Deus. Se, por causa dos meus pecados, Deus permitisse a minha queda, ao menos brilharia em mim a sua justiça. Espero, porém, e espero com inteira certeza, que a sua clementíssima bondade guardará fielmente a minha alma e fará que em mim brilhe mais a sua misericórdia do que a sua justiça.
          Está, pois, tranquila, minha filha, e não te preocupes comigo, seja o que for que me aconteça neste mundo. Nada pode acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos pareça é, em verdade, muito bom."
 
 

Da Carta escrita por São Luís Gonzaga à sua mãe (Acta Sanctorum, Iuni, 5,578) (Séc.XVI)



Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor


            "Ilustríssima senhora, peço que recebas a graça do Espírito Santo e a sua perpétua consolação. Quando recebi tua carta, ainda me encontrava nesta região dos mortos. Mas agora, espero ir em breve louvar a Deus para sempre na terra dos vivos. Pensava mesmo que a esta hora já teria dado esse passo. Se é caridade, como diz São Paulo, chorar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram (cf. Rm 12,15), é preciso, mãe ilustríssima, que te alegres profundamente porque, por teus méritos, Deus me chama à verdadeira felicidade e me dá a certeza de jamais me afastar do seu temor.
            Na verdade, ilustríssima senhora, confesso-te que me perco e arrebato quando considero, na sua profundeza, a bondade divina. Ela é semelhante a um mar sem fundo nem limites, que me chama ao descanso eterno por um tão breve e pequeno trabalho; que me convida e chama ao céu para aí me dar àquele bem supremo que tão negligentemente procurei, e me promete o fruto daquelas lágrimas que tão parcamente derramei.
            Por conseguinte, ilustríssima senhora, considera bem e toma cuidado em não ofender a infinita bondade de Deus. Isto aconteceria se chorasses como morto aquele que vai viver perante a face de Deus e que, com sua intercessão, poderá auxiliar-te incomparavelmente mais do que nesta vida. Esta separação não será longa; no céu nos tornaremos a ver. Lá, unidos ao autor da nossa salvação, seremos repletos das alegrias imortais, louvando-o com todas as forças da nossa alma e cantando eternamente as suas misericórdias. Se Deus toma de nós aquilo que havia emprestado, assim procede com a única intenção de colocá-lo em lugar mais seguro e fora de perigo, e nos dar aqueles bens que desejamos dele receber.
            Disse tudo isto, ilustríssima senhora, para ceder ao desejo que tenho de que tu e toda a minha família considereis minha partida como um feliz benefício. Que a tua bênção materna me acompanhe na travessia deste mar, até alcançar a margem onde estão todas as minhas esperanças. Escrevo isto com alegria para dar-te a conhecer que nada me é bastante para manifestar com mais evidência o amor e a reverência que te devo, como um filho à sua mãe."

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Nossa Senhora da Consolação

Nuestra Señora de la Consolación


          No dia 20 de Junho celebra-se a festa da Santíssima Virgem da Consolação, padroeira especial de Turim e do Piemonte. O culto da Virgem da Consolação data do século XI, quando se ampliou o primitivo edifício dedicado a Santo André e se erigiu, no decurso do século XVIII o Santuário da Consolação, uma das igrejas mais belas e mais amadas pelos habitantes de Turim. 
             Em relação com o culto da Virgem da Consolação, se narra que, no mesmo sitio em que hoje admiramos o santuário, havia um pequeno templo que se viu destruído numa das invasões dos bárbaros. Alguns anos depois, na cidade de Briançon, um homem cego de nascimento, teve em sonhos uma visão da Virgem Maria que o exortou a chegar a Turim para buscar um quadro com sua efígie que se havia extraviado. O homem, chegado àquele sitio, recobrou milagrosamente sua vista e pôde ver a Virgem, que se apresentou como "Consoladora" e se converteu na padroeira de Turim. 
             Hoje, a Virgem do Consolo (ou da Consolação) não só é venerada por muitíssimos fiéis que a ela imploram graça e consolo e que com fé e com devoção participam na procissão que, todos os anos durante sua celebração, sai do Santuário e serpenteia pelas ruas da cidade. Ela é também aMãe inspiradora dos missionários que, em seu nome, se empenham em levar o Evangelho por todo o mundo. 
           Ao igual que Maria, que veneram sob o título de Consolação, pretendem levar ao mundo o autêntico Consolo que é Jesus, o Evangelho e com isso sua presença junto aos marginais, com a ajuda aos aflitos, a cura dos enfermos, a defesa dos direitos humanos e ao fomento da justiça e da paz. Por tudo isso, eles se dedicam à Missão de forma total, sem nenhuma classe de vínculos, afastados da materialidade das coisas, professando a pobreza e a obediência no espírito da beatitude evangélica.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Da vida de São Romualdo, escrita por São Pedro Damião (Cap. 31 e 69; PL 144, 982-983; 1005-1006) (Sec. XI)



Renunciando a si mesmo e seguindo a Cristo


        "Romualdo habitou três anos na região de Parenzo: no primeiro, construiu um mosteiro e nele colocou uma comunidade de irmãos com o seu abade; nos outros dois viveu lá em recolhimento. A bondade divina elevou-o a tão alta perfeição que, inspirado pelo Espírito Santo, previu acontecimentos futuros e chegou à inteligência de alguns mistérios ocultos do Antigo e Novo Testamento.
     Era arrebatado frequentemente a tão elevado grau de contemplação que, derramando abundantes lágrimas e inflamado no fogo do amor divino, tinha exclamações como esta: «Jesus, meu amado Jesus, para mim mais doce que o mel, desejo inefável, doçura dos Santos, suavidade dos Anjos!». Estes e outros sentimentos de alegria profunda a que o movia a ação do Espírito Santo, não somos nós capazes de os exprimir com palavras humanas.
         Em qualquer sítio onde este santo varão se decidia a habitar, compunha na cela, antes de mais, um oratório com o seu altar e, fechando-se nela, isolava-se de toda agente.
       Depois de ter vivido em vários lugares, sentindo já iminente o fim da sua vida, voltou definitivamente ao mosteiro que construíra em Vale de Castro. Aí, esperando como certa a proximidade da morte, mandou construir uma cela com o seu oratório, para nela se recolher e guardar silêncio até à morte.
        Acabado este seu eremitério, dispôs-se imediatamente para nele se recolher. Mas começou a agravar-se o seu estado de fraqueza corporal, mais devido ao peso dos anos do que a alguma doença caracterizada. E assim, certo dia, sentiu que lhe faltavam as forças e se acentuava a fadiga causada pelas enfermidades. Ao pôr do sol, ordenou aos dois irmãos presentes que se afastassem e fechassem a porta e que voltassem de madrugada para rezar com ele o ofício matutino. Os irmãos, pressentindo a iminência da sua morte, saíram contra a vontade, mas não foram dormir; permaneceram junto da cela, a observar aquele seu tesouro de valor inestimável, temendo que pudesse morrer, de um momento para o outro, o seu mestre.
      Não muito depois o interesse levou-os a escutar melhor. E não lhe ouvindo qualquer movimento do corpo nem o menor ressonar, convencidos já do que havia acontecido, empurraram a porta, entraram rapidamente e acenderam a luz. Encontraram o corpo do santo já cadáver e deitado de costas; a alma tinha voado para o Céu. Ali jazia ele, como pedra preciosa caída do Céu e abandonada, para ser colocada de novo, com todas as honras, no tesouro do Rei supremo."
 
 

Sermão de Santo Antônio de Pádua

EXÓRDIO - O DESERTO DE ENGADI

1. "Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo", etc. (Mt 4, 1).

Lemos no primeiro livro dos Reis que Davi demorou-se no deserto de Engadi (cf. 1Re 24, 1-2). Davi quer dizer "de mão forte" e indica Jesus Cristo, que, com as mãos pregadas na cruz, destruiu as potências dos ares (diabólicas). Ó maravilhoso poder: vencer o próprio inimigo com as mãos presas! Cristo demorou-se no deserto de Engadi, nome que se interpreta como "olho da tentação".

Observa que o olho da tentação é tríplice. O primeiro é o da gula, do qual se lê no Gênesis:"E a mulher viu que [o fruto] da árvore era bom para comer, belo aos olhos e de aspecto agradável; tomou do seu fruto, comeu dele e deu-o ao seu marido" (Gn 3, 6). O segundo é o da soberba e da vanglória, do qual Jó, falando do diabo, diz: "Olha tudo o que é alto: ele é o rei de todos os filhos da soberba" (Jó 41, 25). O terceiro é o da avareza, do qual fala o profeta Zacarias: "Este é o seu olho em toda a terra" (Zc 5, 6). Cristo, então, permaneceu no deserto de Engadi por quarenta dias e quarenta noites; durante eles, sofreu do diabo as tentações da gula, da vanglória e da avareza.

2. É dito, por isso, no evangelho de hoje: "Jesus foi conduzido ao deserto". Observa que os desertos são três, e em cada um desses foi conduzido Jesus: o primeiro é o seio da Virgem, o segundo é aquele do evangelho de hoje, o terceiro é o patíbulo da cruz. Ao primeiro, foi conduzido só pela misericórdia, ao segundo, para dar-nos o exemplo, ao terceiro, para obedecer o Pai.

Do primeiro diz Isaías: "Mandai, Senhor, o cordeiro dominador da terra, da pedra do deserto ató o monte da filha de Sião" (Is 16, 1). Ó Senhor, Pai, mandai o cordeiro, não o leão, o dominador, não o destruidor, da pedra do deserto, isto é, da bem-aventurada Virgem que é chamada "pedra do deserto""pedra", pelo firme propósito da virgindade, pelo qual respondeu ao anjo: "Como pode acontecer isso, pois não conheço homem?" (Lc 1, 34), vale dizer: fiz o firme propósito de não conhecê-lo; "do deserto", porque não arável [lat. inarabilis]: permaneceu, de fato, intacta, virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Mandai-o ao monte da filha de Sião, isto é, à santa igreja, que é filha da celeste Jerusalém.

Do segundo deserto diz Mateus: "Jesus foi conduzido ao deserto, para ser tentado pelo diabo", etc.

Do terceiro fala João Batista: "Eu sou a voz daquele que clama no deserto" (Jo 1, 23). João Batista é dito "voz" porque, como a voz precede a palavra, assim ele precedeu o Filho de Deus. Eu, disse, dou a voz de Cristo, que clama no deserto, isto é, sobre o patíbulo da cruz: "Pai, nas vossas mãos eu entrego o meu espírito" (Lc 23, 46). Nesse deserto tudo foi cheio de espinhos e ele foi privado de toda forma de humano socorro.


A TRÍPLICE TENTAÇÃO DE ADÃO E DE JESUS CRISTO


3. "Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto". Frequentemente se pergunta por quem Jesus foi conduzido ao deserto. Lucas o diz claramente: "Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-se do Jordão e foi conduzido pelo Espírito ao deserto" (Lc 4, 1). Foi conduzido por aquele mesmo Espírito do qual estava cheio, e do qual ele mesmo diz, pela boca de Isaías: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me consagrou com a unção" (Is 61, 1). Por aquele Espírito, pelo qual foi "ungido" (consagrado) mais que os seus companheiros (cf. Hb 1, 9), foi conduzido ao deserto, para ser tentado pelo diabo.

Como o Filho de Deus, o nosso Zorobabel, nome que se interpreta como "mestre da Babilônia", viera reconstruir o mundo arruinado pelo pecado, e, como médico, para curar os doentes, foi necessário que ele curasse os maus com os remédios opostos: como na arte médica as coisas quentes se curam com o frio, e as coisas frias com o calor.

 
A ruína e a fragilidade do gênero humano foi o pecado de Adão, constituído de três paixões: a gula, a vanglória, a avareza. Diz, de fato, o verso: "A gula, a vanglória e a ganância venceram o velho Adão" (autor desconhecido). Esses três pecados os achas escritos no Gênesis: "Disse a serpente à mulher: No dia em que comerdes deste fruto, abrir-se-ão os vossos olhos"eis a gula"sereis como deuses"eis a vanglória"conhecereis o bem e o mal"eis a avareza (Gn 3, 4-5). Esses foram as três lanças com as quais foi assassinado Adão junto com os seus filhos [com a sua descendência].

Lemos no segundo livro dos Reis: "Joab tomou na mão três lanças e as meteu no coração de Absalão" (2Re 18, 14). Joab quer dizer "inimigo" e justamente indica o diabo, que é o inimigo do gênero humano. Ele, com a mão da falsa promessa, "tomou três lanças", isto é, a gula, a vanglória e a avareza, "e as meteu no coração", no qual está a fonte do calor e da vida do homem - "dele, diz Salomão, procede a vida" (Pr 4, 23) -, para apagar o calor do amor divino e tirar completamente a vida; "no coração de Absalão", nome que quer dizer "paz do pai". E esse foi Adão, que foi posto num lugar de paz e de delícias a fim de que, obedecendo o Pai, conservasse eternamente a sua paz. Mas, já que não quis obedecer o Pai, perdeu a paz e, no seu coração, o diabo meteu as três lanças e o privou completamente da vida.

4. O Filho de Deus veio, portanto, no tempo favorável e, obedecendo a Deus Pai, reintegrou aquilo que estava perdido, curou os vícios com os remédios opostos. Adão foi posto no paraíso no qual, imerso nas delícias, caiu. Jesus, pelo contrário, foi conduzido ao deserto, no qual, persistindo no jejum, derrotou o diabo.

Observai como concordam entre si, no Gênesis e em Mateus, as três tentações: "Disse a serpente: No dia em que comerdes dele"; "e, aproximando-se, o tentador lhe disse: Se és o Filho de Deus, dize que estas pedras se tornem pães" (Mt 4, 3): eis a tentação da gula. Da mesma forma: "Sereis como deuses"; "então o diabo levou-o à cidade santa, e o pôs sobre o pináculo do templo" (Mt 4, 5), eis a vanglória. E enfim: "Conhecereis o bem e o mal"; "novamente, o diabo levou-o para sobre um monte altíssimo, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a sua glória, e lhe disse: Tudo isto eu te darei, se, prostrando-te, me adorares" (Mt 4, 8-9). O diabo, quanto é pérfido, tanto perfidamente fala: essa é a tentação da avareza.

Mas a Sabedoria, por sempre agir sabiamente, superou as três tentações do diabo com as três sentenças do Deuteronômio.

Jesus, quando o diabo o tentou pela gula, respondeu: "O homem não vive somente de pão" (Mt 4, 4; cf. Dt 8, 3), como se dissesse: Como o homem exterior vive de pão material, assim o homem interior vive do pão celeste, que é a palavra de Deus. A Palavra de Deus é o Filho, que é a Sabedoria que procede da boca do Altíssimo (cf. Eclo 24, 5). A sabedoria é chamada, assim, de sabor. Assim o pão da alma é o sabor da sabedoria, com o qual assabora os dons do Senhor e prova quão suave é o próprio Senhor (cf. Sl 33, 9). Desse pão é dito no livro da Sabedoria: "Preparaste-lhes um pão do céu, que contém toda delícia e todo suave sabor" (Sb 16, 20). E isso pretende quando diz:"Mas de toda palavra que sai da boca de Deus" (Mt 4, 4; cf. Dt 8, 3). "De toda palavra", porque a palavra de Deus e a sabedoria têm todo sabor suave, que torna insípido todo prazer da gula. E, como Adão teve nojo desse pão, cedeu à tentação da gula. Justamente, então, é dito: Não só de pão, etc.

Da mesma forma, quando o diabo o tentou pela vanglória, Jesus respondeu: "Não tentarás o Senhor, teu Deus" (Mt 4, 7; cf. Dt 6, 16). Jesus Cristo é Senhor pela criação, é Deus pela eternidade. E esse Jesus o diabo tentou, quando exortou a atirar-se abaixo, do pináculo do templo, o próprio criador do templo, e prometeu a ajuda dos anjos ao Deus de todas as potências celestes. "Não tentarás, então, o Senhor, teu Deus!". Também Adão tentou o Senhor Deus, quando não observou o mandamento do Senhor e Deus, mas prestou fé com leviandade à falsa promessa: "Sereis como deuses". Que vanglória, crer poder tornar-se deuses! Ó miserável! Em vão te enalteces acima de ti mesmo, e, por isso, ainda mais miseravelmente cais abaixo de ti. Não tentes, então, o Senhor, teu Deus.

Enfim, quando o diabo o tentou pela avareza, Jesus respondeu: "Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a Ele servirás" (Mt 4, 10; cf. Dt 6, 13; 10, 20). Todos aqueles que amam o dinheiro ou a glória do mundo, ajoelham-se diante do diabo e o adoram.

Nós, pelo contrário, por quem o Senhor veio ao seio da Virgem e sofreu o patíbulo da cruz, instruídos pelo seu exemplo, caminhamos no deserto da penitência e, com a sua ajuda, reprimimos a concupiscência da gula, o vento da vanglória e o fogo da avareza.

Adoramos também nós aquele que os próprios arcanjos adoram, servimos aquele que os anjos servem, aquele que é bendito, glorioso, louvável e excelso pelos séculos eternos. E todo o criado diga: Amém!

terça-feira, 18 de junho de 2013

Humildade ou orgulho?: Thomas Merton

"A humildade é uma virtude, não uma neurose.
 
Liberta-nos para que possamos agir virtuosamente, servir a Deus e conhecê-lo. A verdadeira humildade, portanto, jamais poderá inibir qualquer ação realmente virtuosa. Tampouco pode impedir-nos de nos realizarmos aderindo à vontade de Deus.
 
A humildade nos torna livres para fazermos o que é verdadeiramente bom, mostrando-nos nossas ilusões e retirando nossa vontade daquilo que era apenas um bem aparente.
 
Uma humildade que gela o nosso ser e frustra toda sã atividade não é, de modo algum, humildade, mas uma forma disfarçada de orgulho. Seca as raízes da vida espiritual, tornando impossível nossa entrega total a Deus."
 


Na Liberdade da Solidão

quinta-feira, 13 de junho de 2013

A menor igreja de Roma

"Esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei". Veja como essa tocante súplica foi prontamente atendida.

    Camin
NSCNALEGRTIA.jpghando pelas ruas da Cidade Eterna, o visitante depara-se com muitos oratórios ostentando atraentes imagens de Nossa Senhora, aos quais os romanos dão o carinhoso nome de Madonnelle. Encontram-se eles nos ângulos de palácios ou de simples casas, em praças e, com freqüência, no final de algum beco. Em quase todos, a imagem da Virgem é ornada por bela moldura e ladeada por artísticas lanternas.
     Como todas as coisas surgidas sob o benéfico influxo da Santa Igreja, esses oratórios tinham também uma utilidade secundária, mas não destituída de importância, na época em que era muito escassa a iluminação pública de Roma: sem as luzes de suas lanternas, a maior parte das ruas da cidade permaneceria na completa escuridão.
          Outrora, eles eram milhares, hoje não passam de quinhentos. O mais famoso deles é o oratório de "Nossa Senhora Causa de nossa Alegria" (Madonnelle Causa Nostrae Laetitiae), o qual tem uma encantadora história.
        Está localizado num beco do centro de Roma, debaixo de um archetto (pequeno arco, em italiano). Por isso, sua imagem desde sempre foi conhecida pelo nome de Madonna dell'Archetto. Diante dela o povo costumava reunir-se para rezar, atraído por sua beleza e doçura, bem como pelo recolhimento daquele pequeno recanto.
           No dia 9 de julho de 1796, ante o perigo iminente de a Cidade Eterna ser invadida e saqueada por exércitos inimigos, reuniu-se diante da Madonna dell'Archetto um grande número de fiéis, implorando, por seu intermédio, o auxílio divino. Depois
Oratorio.jpgde rezarem o rosário, eles começaram a recitar a Salve Rainha. 
       Eis que, ao pronunciarem as palavras "esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei", a pintura de Nossa Senhora moveu as pupilas, dirigindo aos presentes seu olhar cheio de ternura e afeto. 
        Surpresa e júbilo de todos! Tanto mais que o milagre se repetiu. Mais ainda, começou a operar-se também nas imagens de alguns outros oratórios. 
       Diante disso, a opinião pública se dividiu. De um lado, os inimigos da Religião alegavam: "Isto não passa de uma ilusão de ótica, efeito do calor do verão romano ou... do ótimo vinho italiano".
      Porém, a piedade lúcida dos fiéis fez pouco caso da zombaria dos incrédulos e pôde comprovar cientificamente a amplitude do movimento dos olhos. E um rigoroso processo canônico confirmou a autenticidade dos milagres, não apenas da Madonna dell'Archetto, mas também de outras doze madonnelle.
         Passadas algumas décadas, face ao crescente afluxo de devotos, o beco da Madonna dell'Archetto foi transformado numa recolhida capela. Pouco tempo depois, foi elevado à categoria de Santuário. É a menor igreja de Roma e, talvez, do mundo.
(Revista Arautos do Evangelho, Julho/2004, n. 30, p. 37)

O Santo Cinto de Nossa Senhora

Quem, saindo de Florença, percorre vin­te quilômetros em direção ao noroeste, encontra às margens do rio Bisenzio uma cidade industrial cu­jas fábricas lhe valeram a alcunha de "Manchester da Itá­lia". Trata-se de Prato. Essa cida­de, apesar da feiúra de suas indústrias e da simplicidade de seu nome, além de ter sido um pólo ar­tístico mui­to afamado da his­tó­ria da Tos­ca­na, abriga, em seu cen­tro velho, uma das relíquias mais tocantes da Mãe de Deus.
sagrado cinto_1.JPG
Nossa Senhora entrega seu cinto a São Tomé
Pintura de Gozzoli Benozzo
É bem conhecida a história de São Tomé, um dos doze Apóstolos, que por estar ausente quando da aparição do Senhor após a Res­surreição, não quis nela acreditar, apesar do testemunho de seus com­panheiros. Só oito dias mais tarde, quando Jesus lhes apa­receu novamente, Tomé pôde constatar a verdade, colocando seus dedos na chaga do Salvador. Aí, sim, acreditou.

Passaram-se os anos e Tomé tor­nou-se um dos Apóstolos mais intrépidos, levando o Evangelho até os confins da Pérsia e da Índia. Segundo a bela tradição que chegou até nós, encontrava-se ele numa dessas longínquas regiões quando recebeu um recado de São Pedro, de que retornasse sem demora a Jerusalém, pois Maria, a Mãe do Senhor, iria deixá-los e desejava antes despedir-se de todos. Empreendeu Tomé a sua volta e mais uma vez chegou atrasado. A Mãe de Deus já havia su­bi­do aos céus.

São Tomé, mais uma vez levado pelo ceticismo, relutou em acreditar na Assunção da Santíssima Vir­gem e pediu a São Pedro que abris­se o sepulcro, para poder comprovar com os seus próprios olhos o ocorrido. Atendido o seu pedido, constatou que no túmulo vazio en­contravam-se apenas muitos lírios e rosas. Nesse mesmo momento, ao levantar suas vistas aos céus, Tomé viu Nossa Senhora na Glória, que, sorridente, desatou o cinto e lançou-o em suas mãos, co­mo símbolo de maternal bênção e proteção.

Este cinto é a relíquia que se ve­nera na Catedral de Prato. Chegou de Jerusalém no ano de 1141, trazido por Michele Dagomari, ha­bitante da cidade que estivera na Terra Santa. No começo, nin­guém deu muita importância àque­la re­lí­quia de autenticidade não comprovada. Mas em 1173 a Providência valeu-se de um fato extraor­di­nário para que todos a reconhe­ces­sem como verdadeira:

No dia de Santo Estêvão, o pa­droeiro da cidade, era costume co­locarem-se todas as relíquias em ci­ma do altar para com 
Nossa Senhora.JPGelas aben­çoar os doentes e endemoniados. Na ocasião, foi exposta também a caixa contendo o cinto de Nossa Senhora. Aproximaram então uma possessa que, no momento em que tocou a caixa começou a afirmar com insistência que esse cinto era da Santíssima Virgem, e no mesmo instante viu-se liberada de seu mal.

Iniciou-se então o culto público à sagrada relíquia. O próprio São Francisco de Assis, em 1212, este­ve com seus primeiros frades em Prato para venerá-la. Porém, se esse culto já conta com mais de oito séculos de história, a devoção ao santo cinto de Nossa Senhora é ainda muito mais antiga: foi instituída por Santo Agostinho, que de­terminou a constituição de uma Confraria do Santo Cinto, até hoje existente entre os agostinianos.

A relíquia é exposta à venera­ção pública cinco vezes ao ano: na Páscoa, nos dias 1º de maio, 15 de agosto, 8 de dezembro e no Natal. Nessas ocasiões, ela é colocada no púlpito externo, à direita da Catedral, defronte à bonita pra­ça medieval da cidade.

Essa devoção faz com que Prato seja até hoje um dos lugares de peregrinação mariana mais freqüentados da Itália.

Se você, leitor, algum dia passar por Prato, não deixe de entrar na Catedral - aliás, uma linda rea­lização do estilo gótico toscano - e procure do lado esquerdo a "Capella del Sacro Cingolo", onde poderá venerar tão extraordinária relíquia. Peça à Santíssima Vir­gem as graças de que necessita e não deixe de admirar os maravi­lhosos afrescos onde estão retra­tados, além da entrega do cinto a São Tomé, outros episódios da vida de Nossa Senhora.

Maria, mãe das misericórdias ini­magináveis, quis mostrar a São Tomé e a todos nós que, mesmo sendo teimosos em acreditar, e ainda que estejamos imersos em nossas misérias, Ela sempre esta­rá dis­posta a fazer milagres portentosos para nos confirmar na Fé e atar-nos a Ela com seu Cinto, protegendo-nos com sua maternal ter­nura. 

(Revista Arautos do Evangelho, Junho/2002, n. 6, p. 15 à 17) 

Santuário do Sameiro: uma proposta evangelizadora


Como podem os santuários participar ativamente do empenho missionário da Igreja? O Primaz de Portugal responde, mostrando as iniciativas promovidas em sua arquidiocese, no Santuário do Sameiro.
D Jorge Ortiga.JPGDom Jorge Ferreira da Costa Ortiga 
Arcebispo de Braga e Primaz de Portugal
Neste dia em que celebramos a festa da Santíssima Trindade, gostaria que todos refletissem sobre a responsabilidade de manifestar Deus ao mundo. O Mistério que se torna transparência pela comunicação da palavra e pela sua concretização. Isto mesmo queremos significar com o lema que escolhemos, na Arquidiocese, para a Pastoral nos Santuários, e que os peregrinos podem ver ou adquirir através de cartazes e panfletos presentes em todos os santuários da Arquidiocese: "Família Solidária: peregrina, escuta e partilha". Peregrinamos para escutar a mensagem de Deus, por Maria, e queremos que ela seja partilhada, comunicada, anunciada a todos.
A resposta que todos procuram nos santuários
Num mundo culturalmente novo não é permitido permanecer em atitudes pastorais idênticas ao que sempre se realizou. Só uma conversão capaz de colocar o acento numa proposta autenticamente evangélica dará a resposta que todos nós procuramos nos santuários. Maria dá-nos a força para anunciar com valentia a palavra, de modo que seja possível acreditar na esperança. Importa, por isso, que os santuários, correspondendo à invocação de Maria Estrela da Evangelização, mostrem que é possível acolher e fazer seu o Projeto de Deus.

Tive a graça de participar na V Conferência Geral do Episcopado Latino Americano, no Santuário de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Aí os bispos de 22 conferências episcopais dialogaram sobre o prioritário para a América Latina. O tema condutor e conclusivo foi os cristãos como "Discípulos e missionários para que os povos encontrem a Vida em Cristo". Ser discípulo missionário deveria ser, também, para nós, individual e comunitariamente, a opção que torna secundário todo o resto. Há muita coisa que parece importante. Se conduz a esta proposta de seguir Cristo, num quotidiano de seduções e contradições, para, em seguida, partir para a responsabilidade de O comunicar, estamos correspondendo aos apelos de Deus e a ser fiéis às exigências históricas. Caso contrário, são realidades passageiras e sem repercussão efetiva na vida das pessoas.
A escola do missionário
O ser discípulo missionário aprende- se, ou deveria aprender-se, na família. Este patrimônio da humanidade está a perder a sua identidade e nós vamos assistindo passivamente ao seu desmoronamento. Maria foi discípula de Cristo, acolhendo a sua palavra, e foi missionária, anunciando- Lhe, pela palavra e vida, o que enchia o seu coração. Muitos podem dizer que é difícil transmitir a fé na família. Sabemos que é verdade. Penso, porém, que se as comunidades paroquiais e os santuários tiverem esta opção de formar famílias dentro duma identidade cristã, elas serão o primeiro lugar evangelizador.

Estamos a trabalhar, em Programa Pastoral, a família. Os santuários não deveriam responsabilizar-se, em colaboração com as comunidades paroquiais, por esta tarefa de evangelizar os lares cristãos? As oportunidades são muitas. Basta uma capacidade grande de acolher as famílias que procuram os santuários para qualquer tipo de celebração e possuir propostas concretas, bem elaboradas e com um cariz de resposta a perguntas, para que adiram e partam daqui para um compromisso paroquial. Bastará, só e apenas, celebrar os Sacramentos solicitados? É muito pouco ou quase nada.

Peço à Senhora do Sameiro que nos ajude a fazer com que os santuários invistam nesta área de formação com as devidas condições características da nova evangelização que entrariam no domínio das exigências habituais.
A educação na família
O Evangelho da Família e a promoção da cultura da vida sugerem uma pastoral que, condenando o relativismo, a confusão de modelos, de desorientações, favoreçam a centralidade da pessoa humana e da sua dignidade e particularmente o valor da família baseada no matrimônio, entre um homem e sua mulher e para toda a vida. Uma educação integral do amor e da sexualidade e um apoio permanente, com orientações doutrinárias e meios materiais, à comunidade familiar para que a partir daqui surja uma nova mentalidade perante a vida e os desafios do mundo. Ela deve ser local de amor, de paz, de bondade, de fé, de sabedoria, de respeito pelas mulheres, de entrega ao bem comum e às causas da solidariedade. E isto só se consegue com estratégias e propostas permanentes numa variedade imensa como são variadíssimos os problemas.

Parece-me que este âmbito de atenção à família, de apoio à sua preparação remota e próxima, de acompanhamento
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     Santuário de Nossa Senhora do Sameiro, Braga
      Portugal                                    Paulo Mikio
permanente poderia entrar em planos pastorais concretos que não desvalorizam a paróquia mas que a complementam e lhe proporcionam famílias evangelizadas para que evangelizem. O mundo da família tudo merece e a ele deveremos entregar as nossas capacidades e talentos.
Confiança na Senhora do Sameiro
A Senhora do Sameiro, como evocação da sua Imaculada Conceição, se torne alento e causa para a caminhada que a Arquidiocese apenas iniciou. O alto do Sameiro seja farol norteador de propostas e fornecedor de meios para que marquemos o presente histórico nesta mudança de época que espera atitudes novas. Olhar para a História significa que a Igreja descobriu caminhos novos em todas as mudanças de época. Os tempos passados estavam apoiados nas paróquias. Os santuários, por aquilo que significam e pelos lugares onde estão situados, vão desempenhar um papel importantíssimo no futuro. Comecemos desde já. A Mãe do Céu está conosco.

Esta responsabilidade é confiada aos santuários. Só que importa que os cristãos queiram acolher esta proposta e não pretendam um sacramentalismo sem o mínimo de preparação e uma devoção que não esteja marcada por este desejo de caminhar num itinerário de discipulado que se compraz com o encontro permanente com o Mestre.

Maria, Nossa Senhora do Sameiro, faz com que as nossas famílias apostem na sua evangelização para que se tornem instrumentos comunicadores de Deus-Amor Trinitário aos seus membros. Que os pais se assumam como os primeiros educadores e que, para isso dediquem tempo e energias, à maravilha do conhecimento do mesmo Deus e da sua doutrina.
(Homilia no Santuário do Sameiro, 3/6/2007) 

Nossa Senhora do Sameiro

     

      Em 14 de Junho de 1637, o então Arcebispo de Braga jurou solenemente defender o privilégio da Imaculada Conceição da Virgem Nossa Senhora, mais de duzentos anos antes de a Igreja definir o seu dogma. Na mesma data de 1863, foi benzida e lançada a primeira pedra de um monumento em honra de Maria Imaculada, no alto do monte Sameiro, sobranceiro à cidade. O monumento era um amplo quadrado com uma coluna encimada por uma bela estátua de mármore da padroeira.
      Só em Agosto de 1880 foi benzida uma capela, junto ao monumento, que receberia a imagem que ainda hoje lá se venera, esculpida em Roma e benzida pelo Papa Pio IX.
       O atual templo, que alberga a mesma imagem, foi iniciado dez anos depois e elevado por Paulo VI à categoria de Basílica.
      Dos finais do século XIX ao primeiro quartel do século XX, o Sameiro aparece como “centro de convergência de orientação e de apoio de todas as forças católicas da Nação contra o indiferentismo, o liberalismo e a perseguição religiosa reinante”. Pólo de grandes peregrinações, só em 1955 entraram no Sameiro mais de um milhão de pessoas. Por outro lado, acarinhado por vários Papas, a partir de Pio IX, o santuário foi visitado em 1982 por Sua Santidade João Paulo II e a ele dedicou o monumento ao Papa Peregrino.
      A festa da Senhora do Sameiro foi fixada em 12 de Junho, dia em que S. Pio X coroou oficialmente a imagem de Nossa Senhora da Conceição.

Santuário de Nossa Senhora do Sameiro
Santuário de Nossa Senhora do Sameiro

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Das Homilias sobre o Livro de Josué, de Orígenes, presbítero (Hom. 4,1: PG 12,842-843) (Séc.III)

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A travessia do Jordão

            "No Jordão, a arca da aliança era o guia do povo de Deus. A fileira dos sacerdotes e levitas para, e as águas, como que em reverência aos ministros de Deus, refreiam seu curso e amontoam-se abrindo caminho livre para o povo de Deus. Não te admires de que estes fatos, acontecidos com o povo antigo, se refiram a ti, cristão, que pelo sacramento do batismo atravessaste o rio Jordão. A palavra divina te promete coisas ainda maiores e mais elevadas: oferece-te mesmo a travessia pelos ares. Escuta o que Paulo diz acerca dos justos: Seremos arrebatados nas nuvens, ao encontro de Cristo nos ares, e assim estaremos com o Senhor para sempre. Não há nada que amedronte o justo. Todas as criaturas o servem. Ouve ainda como pelo Profeta Deus lhe promete: Se passares pelo fogo, a chama não te queimará, porque eu sou o Senhor, teu Deus. Todo lugar acolhe o justo e toda criatura lhe presta o devido serviço. E não julgues que estas coisas se deram antigamente e que em ti, que as escutas, nada de semelhante acontece. Todas se perfazem em ti de modo místico. De fato, tu que, abandonando há pouco as trevas da idolatria, desejas aproximar-te da lei divina, deixas primeiro o Egito.
            Quando te inscreveste no número dos catecúmenos e começaste a obedecer aos preceitos da Igreja, atravessaste o mar Vermelho. Assim, levado às paradas do deserto, tu te entregas diariamente à audição da lei divina e à contemplação do rosto de Moisés, com o véu já retirado pela glória do Senhor. Se depois te achegares à fonte do místico batismo e, na presença dos sacerdotes e levitas, fores iniciado naqueles veneráveis e magníficos mistérios conhecidos por aqueles a quem de direito, então depois de ter atravessado o Jordão, também pelo ministério sacerdotal, entrarás na terra prometida. Nesta, depois de Moisés, acolher-te-á Jesus e ele próprio se fará teu guia na nova caminhada.
            Tu, porém, lembrado de tantas e tão grandes maravilhas de Deus, como o mar que se dividiu para ti e a água do rio que parou diante de ti, voltado para eles dirás: Que houve, ó mar, que fugiste? e tu, Jordão, que voltaste para trás? Montes, por que saltais como cabritos e as colinas como cordeirinhos? A palavra divina responderá: Diante da face do Senhor abalou-se a terra, diante da face do Deus de Jacó, que muda a pedra em lago e o rochedo em fontes de água."

Oração para pedir almas que amem a Cruz



Senhor Jesus, Varão das dores, em vossa Alma e em vosso Corpo sofrestes tudo quanto é dado a um homem sofrer. 

Contemplo Vosso cadáver descido do patíbulo, Vossa humanidade como que aniquilada, e Vosso Sangue infinitamente precioso vertido até a última gota ao longo da Paixão.

Por todos os séculos dos séculos, representareis a dor no horizonte interior de nossas almas. A dor, com tudo quanto ela tem de nobre, de forte, de grave, de doce e de sublime. A dor elevada do simples âmbito das considerações filosóficas para o firmamento infinito da Fé. A dor compreendida em sua significação teológica, como expiação necessária, e como meio indispensável de santificação. 

Pelo mérito infinito de Vosso preciosíssimo Sangue, daí à nossa inteligência a clareza necessária para compreender o papel da dor, e à nossa vontade a força para amá-la com todas as veras de nossas almas. 

É só pela compreensão do papel da dor e do mistério da Cruz que a humanidade pode salvar-se da crise tremenda em que está afundando, e das penas eternas que aguardam os que até o último momento permanecerem fechados ao vosso convite para trilhar convosco a via dolorosa.
Maria Santíssima, Mãe das Dores, por Vossas preces obtende que Deus multiplique sobre a Terra as almas que amam a Cruz.

É a graça de valor incalculável, que Vos pedimos, no crepúsculo desta nossa pobre e estropiada civilização.

Da Carta aos Romanos, de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir (6,1-9,3: Funk 1,219-223) (século I)


Meu amor está crucificado

       "Nem as delícias do mundo nem os reinos terrestres me interessam. Mais vale para mim morrer em Cristo Jesus do que imperar até os confins da terra. Procuro aquele que morreu por nós: quero aquele que por nós ressuscitou. Meu nascimento está iminente. Perdoai-me, irmãos! Não me impeçais de viver, não desejeis que eu morra, pois desejo ser de Deus. Não me entregueis ao mundo nem me fascineis com o que é material. Deixai-me contemplar a luz pura, onde, lá chegando, serei homem. Concedei-me ser imitador da paixão de meu Deus. Se alguém o possui no coração, entenderá o que quero e terá compaixão de mim, sabendo que ânsia me atormenta.
       O príncipe deste mundo deseja arrebatar-me e corromper meu amor para com Deus. Nenhum de vós, aí presentes, o ajude. Ponde-vos antes de meu lado, ou melhor, do lado de Deus. Com efeito, não podeis pronunciar o nome de Jesus Cristo, enquanto cobiçais o mundo.
       Não more em vós a inveja. Mesmo que eu em pessoa vos rogasse algo diferente, não me
escuteis. Crede antes no que vos escrevo. Vivo, vos escrevo, desejando morrer. Meu amor está crucificado. Não há em mim fogo que busque alimentar-se da matéria, apenas uma água viva e murmurante dentro de mim, dizendo-me em segredo: “Vem para o Pai!” Não sinto prazer com o alimento corruptível nem com as volúpias deste mundo. Quero o pão de Deus, a carne de Jesus Cristo, que nasceu da linhagem de Davi. E quero a bebida, o seu sangue, que é a caridade incorruptível. Não quero mais viver como os homens. Isto acontecerá se vós quiserdes. Querei-o, rogo-vos, para que sejais vós também queridos. Com poucas palavras dirijo-me a vós.
       Acreditai-me: Jesus Cristo vos manifestará que digo a verdade, ele que é a boca verdadeira pela qual o Pai verdadeiramente falou. Pedi vós por mim, para que o consiga. Não por motivos carnais, mas segundo a vontade de Deus foi que vos escrevi. Se for martirizado, vós me quisestes bem. Se for rejeitado, vós me odiastes.
        Lembrai-vos em vossas orações da Igreja da Síria, que tem Deus em meu lugar. Em lugar do bispo, Jesus Cristo e a vossa caridade a governarão. Envergonho-me de ser contado entre seus membros, pois não sou digno disto, já que sou o último deles e como que um aborto. Na verdade, alcançarei a misericórdia de ser alguém se possuir a Deus. Saúdam-vos o meu espírito e a caridade das Igrejas que me recebem em nome de Jesus Cristo e não como um passante qualquer. De fato, as Igrejas, que não se acham no caminho por onde vou passando, antecipam-se a meu encontro em cada cidade."

Da Carta aos Romanos, de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir (3,1-5,3: Funk 1,215-219) (Séc.I)


Não seja eu cristão de nome, mas, de fato

            "A ninguém jamais seduzistes, mas ensinastes a outros. Quanto a mim também quero que continue firme o que ensinais e prescreveis. Pedi apenas para mim as forças interiores e exteriores, a fim de que não só fale, mas o queira; para que não só seja chamado de cristão, mas reconhecido como tal. Se me reconhecerem, então serei chamado cristão e minha fé será manifesta, quando não mais aparecer aos olhos do mundo. Nada do que é aparente é bom. Pois o nosso Deus, Jesus Cristo, ele mesmo, de novo vivo no Pai, agora se manifesta sempre mais. O cristianismo não é resultado de persuasão, mas de grandeza, quando é objeto de ódio para o mundo.
            Tenho escrito a todas as Igrejas e a todas elas faço saber que com alegria morro por Deus, contanto que vós não mo impeçais. Suplico-vos: não demonstreis por mim uma benevolência intempestiva. Deixai-me ser alimento das feras, porque, através delas, pode-se alcançar a Deus. Sou trigo de Deus: que seja eu triturado pelos dentes das feras para tornar-me puro pão de Cristo!
            Instigai, ao contrário, os animais para que neles encontre o meu sepulcro e nada reste de meu corpo para não ser pesado a ninguém, depois de adormecer. Então serei verdadeiro discípulo de Cristo, quando o mundo não mais vir sequer o meu corpo. Suplicai a Deus por mim,que por este meio me torne uma hóstia para Deus. Não vos dou ordens como Pedro e Paulo. Eles são apóstolos, eu, um condenado; eles, livres, eu, escravo até agora. Mas se eu sofrer, serei um liberto de Jesus Cristo e nele ressurgirei livre. Agora algemado, aprendo a nada cobiçar. Desde a Síria até Roma venho lutando, com as feras, de dia e de noite, por terra e mar, amarado a dez leopardos, isto é, ao grupo de soldados. Eles, ao receberem benefício tornam-se ainda piores. Aprendo mais com suas injúrias, mas só por isso não sou justificado.
            Quem me dera alegrar-me com as feras preparadas para mim! Desejo-as bem velozes. Afagá-las-ei para que me devorem depressa. Não aconteça comigo como a alguns nos quais nem sequer, medrosas, tocaram. Se elas resistirem e não quiserem, eu as obrigarei à força. Perdoai-me! Eu sei o que me convém.Agora começo a ser discípulo. Que nada, tanto das coisas visíveis quanto das invisíveis, segure o meu espírito, a fim de que eu possa alcançar a Jesus Cristo. Que o fogo, a cruz, um bando de feras, os dilaceramentos, os cortes, a deslocação dos ossos, o esquartejamento, as feridas pelo corpo todo, os duros tormentos do diabo venham sobre mim para que eu ganhe unicamente a Jesus Cristo!"

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Ladainha de Santo Antônio


 


Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Jesus Cristo, ouvi-nos.
Jesus Cristo, atendei-nos.

Deus Pai dos Céus, tende piedade de nós.
Deus Filho, Redentor do mundo,
Deus Espírito Santo,
Santíssima Trindade, que sois um só Deus,

Santo Antônio de Pádua, rogai por nós.
Íntimo amigo do Menino Deus,
Servo da Mãe Imaculada,
Fidelíssimo Filho de São Francisco,
Homem da santa oração,
Amigo da pobreza,
Lírio da castidade,
Modelo da obediência,
Amigo da vida oculta,
Desprezador das glórias humanas,
Rosa da caridade,
Espelho de todas as virtudes,
Sacerdote segundo o Coração do Altíssimo,
Imitador dos apóstolos,
Mártir pelo desejo,
Coluna da Igreja,
Amador das almas,
Propugnador da Fé,
Doutor da verdade,
Batalhador contra a falsidade,
Arca do testamento,
Trombeta do Evangelho,
Convertedor dos pecadores,
Extirpador dos crimes,
Restaurador da paz,
Reformador dos costumes,
Triunfador dos corações,
Auxiliador dos aflitos,
Ressuscitador dos mortos,
Restituidor das coisas perdidas,
Glorioso taumaturgo,
Santo do mundo inteiro,
Glória da Ordem dos Menores,
Alegria da corte celeste,
Nosso amável padroeiro,
Doutor da Santa Igreja,

Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, perdoai-nos Senhor.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, ouvi-nos Senhor.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós.

V - Rogai por nós, Santo Antônio.
R.- Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

OREMOS

Ó Deus, nós Vos suplicamos que a intercessão votiva de Vosso glorioso Confessor e Doutor Santo Antônio alegre a Vossa Igreja, para que, fortalecida com espirituais auxílios, mereça alcançar a glória eterna. Por Jesus Cristo, Nosso Senhor. Amém.

Pensamentos de Santo Antônio de Pádua


1. A vida contemplativa não foi instituída por causa da ativa, mas a vida ativa por causa da contemplativa.
2. A fé se compara ao peixe. Assim como o peixe é batido pelas freqüentes ondas do mar, sem que morra com isso, também a fé não se quebra com as adversidades.
3. Quem está cheio das glórias do mundo se assemelha à bexiga que, cheia de vento, parece maior do que é; basta uma picadinha da agulha da morte e se verá o pouco que é.
4. Não é o temor que faz o servo nem é o amor que faz o livre; mas antes o temor é que faz o livre, o amor que faz o servo.
5. Em todo o corpo do homem o diabo não encontra nenhum membro tão conveniente para ser caçado, para espiar, para enganar, como o coração, porque dele procede a vida.
6. A paciência é melhor maneira de vencer.
7. Quanto mais profundamente lançares o alicerce da humildade, tanto mais alto poderás construir o edifício.
8. Jerusalém tinha uma porta chamada “Buraco da Agulha”, pela qual não podia entrar um camelo, porque era baixa. Esta porta é Cristo humilde, pela qual não pode entrar o soberbo ou o corcunda avarento. Aquele que pretende entrar por ela tem de se humilhar.
9. Maria não afugenta nenhum pecador, antes, recebe a todos os que se refugiam nela e, por isso, é chamada Mãe de Misericórdia: é misericordiosa para com os miseráveis, é esperança para os desesperados.
10. O coração profundo é o coração do que ama, do que deseja, do contemplativo, do desprezador das coisas inferiores. Quando te aproximas de tal coração com passos devotos. Deus é exaltado, não em si, mas em ti; a sua exaltação é a intensidade do teu amor, é a elevação do teu espírito.
11. Feliz aquele que arranca de si o coração de pedra e toma um coração de carne, capaz de se doer compungido das misérias dos pobres, de modo que a sua compaixão lhe sirva de consolo e este consolo lhe dissipe a avareza.
12. Oscula com a boca a própria mão quem louva o que faz.
13. Acredita o estulto no conselho da raposa, fiado em que o bem transitório e mutável seja verdadeiro e duradouro.
14. Não poderás levar os fardos de outrem, se não depuseres primeiro os teus. Alivia-te primeiro dos teus, e poderás levar os fardos de outrem.
15. O que o Senhor faz em nós com a nossa cooperação é maior do que tudo o que faz sem nós.
16. Assim como o vento que entra pela boca aberta não mata a sede, mas aumenta-a mais, o mesmo sucede com a vaidade da dignidade.
17. Assim como a flor, quando espalha o odor, não se corrompe, também o verdadeiramente humilde não se eleva quando louvado pelo perfume da sua vida de bondade.
18. A mentira reside na língua, o roubo na mão, as extorsões no coração.
19. Aquele que segue a outro no caminho, não olha para si, mas para aquele a quem constituiu guia da sua vida.
20. Antes de entrar um raio de sol em casa, não aparece dentro, no ar, o pó; se, porém, entrar um raio de sol, parece cheia de pó.
21. Todo enfermo diz: Amarga é a poção para os que a bebem, mas quando se afastar a enfermidade, então se gloriará.
22. O insensato, como um asno, ouve somente o som da palavra divina, mas o sábio percebe-lhe a força e leva-a ao coração.
23. Dizem que o filho da cegonha ama tanto o pai que, ao vê-lo envelhecer, sustenta-o e alimenta-o. Isso faz por instinto. Também nós devemos sutentar o nosso Pai nos seus membros débeis e doentes e alimenta-los nos pobres e necessitados.
24. A soberba, para não ser desprezada, procura encobrir-se na preciosa humildade.
25. Usa mais vezes os ouvidos do que a língua.
26. O hipócrita se assemelha ao pavão: ao ser provocado pelas crianças, mostra o esplendor das suas penas e, quando faz rodar a cauda, descobre torpemente o traseiro.