sábado, 30 de junho de 2012

III Das Homilias de São Gregório de Nissa, bispo (Orat. 6 De beatitudinibus:PG 44, 1270-1271) (Séc.IV)

Deus pode ser encontrado no coração do homem
 
           "Na vida humana, a saúde do corpo é boa coisa, mas o que torna feliz não é saber em que consiste a saúde, mas viver com saúde. Com efeito, se alguém, muito entretido em elogiar a saúde, toma alimentos que causam maus humores e doenças, de que lhe aproveitam, quando fica doente, os louvores à saúde? De modo semelhante entendamos a palavra que nos foi proposta, pois o Senhor não diz que a felicidade não está em conhecer algo sobre Deus, mas ter Deus em si. Bem-aventurados os que têm coração puro porque verão, eles próprios, a Deus.
          Não me parece que Deus vá colocar-se perante quem o contempla por ter purificado os olhos da alma, mas que talvez a magnificência desta palavra nos sugira aquilo que expressou mais claramente a outros: O reino de Deus está dentro de vós. Por aí ficamos sabendo como quem purificou seu coração de todo o criado e de toda paixão má verá em sua própria beleza a imagem da natureza divina.
           Creio que o Verbo incluiu, nestas poucas palavras que disse, o seguinte conselho: “Ó vós, homens, que tendes algum empenho em contemplar o verdadeiro bem, quando ouvirdes falar da majestade divina exaltada acima dos céus, de sua glória inefável, de sua indizível beleza, não vos deixeis levar pelo desespero por não poderdes ver o que desejais!”
            Se, por uma vida intensa e diligente, lavares de novo as sujeiras que mancham e escurecem o coração, resplandecerá em ti a divina beleza. Como acontece com o ferro, preto antes, retirada a ferrugem pelo polimento, começa a mostrar seu brilho ao sol, assim o homem interior, a quem o Senhor dá o nome de coração, quando limpar as manchas de ferrugem que surgiram em sua forma pela corrupção, recuperará a semelhança com sua principal forma original e se tornará bom. Pois o semelhante ao bom é bom.
            Por conseqüência, quem se vê a si, em si vê a quem deseja. Deste modo é feliz quem temo coração puro porque, olhando sua pureza, pela imagem descobre a forma principal. Aqueles que vêem o sol refletido num espelho, embora não tenham os olhos fixos no céu, não vêem menos seu esplendor do que aqueles que olham diretamente para o próprio sol; da mesma forma, também vós, embora sem possuirdes a capacidade de contemplar a luz inacessível, se voltardes à beleza e à graça da imagem que vos foi dada no início, em vós mesmo tereis o que procurais.
           A pureza, a ausência das paixões desregradas e o afastamento de todo o mal é a divindade. Se, portanto, se encontrarem em ti, Deus estará totalmente em ti. Quando, pois, teu espírito estiver puro de todo vício, liberto de todo mau desejo e longe de toda nódoa, serás feliz pela agudeza e luminosidade do olhar, porque aquilo que os impuros não podem ver, tu, limpo, o perceberás. Retirada dos olhos da alma a escuridão da matéria, pela serenidade pura contemplarás claramente a beatificante visão. E esta, o que é? Santidade, pureza, simplicidade, todo o esplendor da luminosa natureza divina, pelos quais Deus se deixa ver".

II Das Homilias, de São Gregório de Nissa, Bispo (Orat. 6: De beatitudinibus: PG44, 1266-1267, séc. IV)

         

 A  esperança de ver a Deus

           "A promessa de Deus é tão grande que supera o limite máximo da felicidade. O que poderá alguém desejar a mais acima deste bem, quando possui tudo naquele a quem vê? Com efeito, ver, conforme as Escrituras, significa ter. Por exemplo: Vejas os bens de Jerusalém é o mesmo que encontres tais bens. E dizendo: Seja repelido o ímpio, não veja a glória do Senhor, o Profeta quer significar por não veja que não seja participante.
             Por conseguinte, quem vê a Deus possui tudo quanto há de bom pelo fato de ver. Possui a vida sem fim, a eterna incorruptibilidade, a felicidade imortal, o reino sem fim, a alegria contínua, a verdadeira luz, a palavra espiritual e suave, a glória intangível, a perpétua exultação. Em suma, possui todos os bens.
             Decerto é enorme e imensamente valioso o que a promessa da felicidade propõe pela esperança. Contudo, como foi dito, o modo de ver a Deus repousa na pureza do coração. Neste ponto novamente o meu espírito tonteia, duvidando que esta pureza do coração consista em coisas que estejam fora de nosso alcance e que superem de muito nossa natureza. Pois se, por um lado, Deus pode ser visto através desta pureza, por outro lado, contudo, nem Moisés nem Paulo o viram. Com efeito, eles mesmos afirmam que nem eles nem outro qualquer podem ver a Deus. Sendo assim, aquela felicidade agora proposta pelo Verbo parece coisa que nem se pode realizar nem sequer imaginar.
             Que vantagem, pois, temos em saber de que modo se vê a Deus, se não temos a capacidade para tanto? Seria o mesmo que falar alguém sobre a felicidade de se morar no céu, porque lá se contempla o que na terra não se vê. De certo,quando se mostrasse algum caminho para ir ao céu, teria alguma utilidade para os ouvintes conhecer quanta felicidade existe em lá estar. Mas enquanto não for possível a subida, o que nos importa saber da felicidade celeste? Porventura serviria de alguma coisa senão para nos afligir e nos inquietar o ter conhecimento de que coisas estamos privados e impedidos de atingir? Será que o Senhor nos exorta a algo que supera nossa natureza e a grandeza do preceito ultrapassa as forças humanas?
             Não é assim, pois ele não ordena serem pássaros aqueles que não têm asas, nem a viverem dentro da água os que destinou à vida terrestre. Se, portanto, em tudo o mais a lei se ajusta à capacidade dos que a recebem e não obriga a coisa alguma acima da natureza, entendamos que também aqui será tudo conforme e não há que desesperar daquilo que nos é mostrado como felicidade.
            De fato, nem João nem Paulo nem Moisés nem outros como eles ficaram privados desta sublime beatitude, oriunda da visão de Deus. De fato, nem dela está privado aquele que disse: Está guardada para mim a coroa da justiça que me dará o justo Juiz; nem aquele que reclinou a cabeça no peito de Jesus; nem, igualmente, aquele que ouviu da voz divina: Eu te conheci mais que a todos.
            Por conseguinte, se não há dúvida de que são felizes aqueles que afirmaram estar a contemplação de Deus acima de nossas forças e se a felicidade consiste na visão de Deus e se a Deus vê quem tem o coração puro, então é claro que a pureza de coração, que torna o homem feliz, não está entre as coisas que nos são impossíveis.
           De fato, os que pretendem basear-se em Paulo,para declarar que a visão de Deus está acima de nossas forças, têm contra si a palavra do Senhor, que promete acesso à visão de Deus pela pureza do coração".

I Das Homilias, de São Gregório de Nissa, bispo (Orat. 6 De beatitudinibus:PG 44, 1263-1266) (Séc.IV)


Deus é um rochedo inacessível

            "O que costuma acontecer a quem do alto de um monte olha para o vasto mar lá embaixo, isto mesmo se dá com o meu espírito em relação à altíssima palavra do Senhor: dessa altura olho para a inexplicável profundidade de seu sentido.
             A mesma vertigem que se pode sentir em alguns lugares da costa, quando se olha desde uma grande elevação a cavaleiro das ondas para o mar profundo, do alto saliente de um penhasco que, do lado do mar, parece cortado pelo meio do vértice até a base mergulhada nas profundezas, sobrevém a meu espírito suspenso à grande palavra proferida pelo Senhor: Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Deus se oferece à visão daqueles que têm o coração purificado. Deus, ninguém jamais o viu, diz o grande João. Confirma esta asserção, Paulo, aquele espírito sublime: A quem homem algum vê nem pode ver. Eis aqui o penhasco, escorregadio, despenhadeiro sem fundo, talhado a pique, que não oferece em si nenhum ponto de apoio para a inteligência da criatura! O próprio Moisés sentiu-se esmagado pela palavra: Não há, diz ele, quem veja a Deus e continue a viver. Ele sentenciou que este penhasco é inacessível, porque nunca nossa mente pode lá chegar, por mais que se esforce por alcançá-lo, erguendo-se até ele.
           Ora, ver a Deus é gozar a vida eterna. No entanto, que Deus não possa ser visto, as colunas da fé, João, Paulo e Moisés, o afirmam. Percebes a vertigem que arrasta logo o
espírito para as profundezas do conteúdo desta questão? De fato, se Deus é a vida, quem não vê a Deus não vê a vida. Mas que não se possa ver a Deus, tanto os profetas quanto os apóstolos, levados pelo Espírito divino, o atestam. Em que angústias, portanto, se debate a esperança dos homens?
           Contudo, o Senhor vem erguer e sustentar a esperança vacilante, assim como fez a
Pedro, a ponto de afundar, firmando-o na água tornada resistente ao caminhar, para que ele não se afogasse.
          Portanto, se a mão do Verbo se estender para nós, que vacilamos no abismo de nossas especulações, colocando-nos em outra perspectiva, perderemos o medo e, já seguros, abraçaremos o Verbo que nos conduz como que pela mão, dizendo: Bem-aventurados os puros de coração porque eles verão a Deus".

Papa Bento XVI: Solenidade dos Santos Pedro e Paulo

 


29.06.2012 - Cidade do Vaticano - A Igreja celebra em festa este 29 de junho, solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo – padroeiros de Roma, colunas da Igreja –, ocasião em que se celebra também o Dia do Papa.

Venerados Cardeais,
Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos irmãos e irmãs!

            Reunimo-nos à volta do altar para celebrar solenemente os Apóstolos São Pedro e São Paulo, Padroeiros principais da Igreja de Roma. Temos conosco os Arcebispos Metropolitas nomeados durante os últimos doze meses, que acabaram de receber o pálio: a eles dirijo, de modo especial e afetuoso, a minha saudação. E, enviada por Sua Santidade Bartolomeu I, está presente também uma eminente Delegação do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, que acolho com gratidão fraterna e cordial. Em espírito ecumênico, tenho o prazer de saudar, e agradecer pela sua participação, «The Choir of Westminster Abbey», que anima a Liturgia juntamente com a Capela Sistina. Saúdo também os Senhores Embaixadores e as Autoridades civis: a todos agradeço pela presença e a oração.
           À frente da Basílica de São Pedro, como todos bem sabem, estão colocadas duas estátuas imponentes dos Apóstolos Pedro e Paulo, facilmente identificáveis pelas respectivas prerrogativas: as chaves na mão de Pedro e a espada na mão de Paulo. Também na entrada principal da Basílica de São Paulo Fora dos Muros, estão conjuntamente representadas cenas da vida e do martírio destas duas colunas da Igreja. Desde sempre a tradição cristã tem considerado São Pedro e São Paulo inseparáveis: na verdade, juntos, representam todo o Evangelho de Cristo. Mas, a sua ligação como irmãos na fé adquiriu um significado particular em Roma.
           De fato, a comunidade cristã desta Cidade viu neles uma espécie de antítese dos mitológicos Rômulo e Remo, o par de irmãos a quem se atribui a fundação de Roma. E poder-se-ia, continuando em tema de fraternidade, pensar ainda noutro paralelismo antitético formado com o primeiro par bíblico de irmãos: mas, enquanto nestes vemos o efeito do pecado pelo qual Caim mata Abel, Pedro e Paulo, apesar de ser humanamente bastante diferentes e não obstante os conflitos que não faltaram no seu mútuo relacionamento, realizaram um modo novo e autenticamente evangélico de ser irmãos, tornado possível precisamente pela graça do Evangelho de Cristo que neles operava.
            Só o seguimento de Cristo conduz a uma nova fraternidade: esta é, para cada um de nós, a primeira e fundamental mensagem da Solenidade de hoje, cuja importância se reflete também na busca da plena comunhão, à qual anelam o Patriarca Ecumênico e o Bispo de Roma, bem como todos os cristãos.
            Na passagem do Evangelho de São Mateus que acabamos de ouvir, Pedro faz a sua confissão de fé em Jesus, reconhecendo-O como Messias e Filho de Deus; fá-lo também em nome dos outros apóstolos. Em resposta, o Senhor revela-lhe a missão que pretende confiar-lhe, ou seja, a de ser a «pedra», a «rocha», o fundamento visível sobre o qual está construído todo o edifício espiritual da Igreja (cf. Mt 16, 16-19).
            Mas, de que modo Pedro é a rocha? Como deve realizar esta prerrogativa, que naturalmente não recebeu para si mesmo? A narração do evangelista Mateus começa por nos dizer que o reconhecimento da identidade de Jesus proferido por Simão, em nome dos Doze, não provém «da carne e do sangue», isto é, das suas capacidades humanas, mas de uma revelação especial de Deus Pai.
           Caso diverso se verifica logo a seguir, quando Jesus prediz a sua paixão, morte e ressurreição; então Simão Pedro reage precisamente com o ímpeto «da carne e do sangue»: «Começou a repreender o Senhor, dizendo: (...) Isso nunca Te há-de acontecer!» (16, 22). Jesus, por sua vez, replicou-lhe: «Vai-te daqui, Satanás! Tu és para Mim uma ocasião de escândalo...» (16, 23).
           O discípulo que, por dom de Deus, pode tornar-se uma rocha firme, surge aqui como ele é na sua fraqueza humana: uma pedra na estrada, uma pedra onde se pode tropeçar (em grego, skandalon). Por aqui, se vê claramente a tensão que existe entre o dom que provém do Senhor e as capacidades humanas; e aparece de alguma forma antecipado, nesta cena de Jesus com Simão Pedro, o drama da história do próprio Papado, caracterizada precisamente pela presença conjunta destes dois elementos: graças à luz e força que provêm do Alto, o Papado constitui o fundamento da Igreja peregrina no tempo, mas, ao longo dos séculos assoma também a fraqueza dos homens, que só a abertura à ação de Deus pode transformar.
           E no Evangelho de hoje sobressai, forte e clara, a promessa de Jesus: «as portas do inferno», isto é, as forças do mal, «non praevalebunt», não conseguirão levar a melhor. Vem à mente a narração da vocação do profeta Jeremias, a quem o Senhor diz ao confiar-lhe a missão: «Eis que hoje te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos sacerdotes e do povo da terra. Far-te-ão guerra, mas não hão-de vencer - non praevalebunt -, porque Eu estou contigo para te salvar» (Jr 1, 18-19).
            Na realidade, a promessa que Jesus faz a Pedro é ainda maior do que as promessas feitas aos profetas antigos: de fato, estes encontravam-se ameaçados por inimigos somente humanos, enquanto Pedro terá de ser defendido das «portas do inferno», do poder destrutivo do mal. Jeremias recebe uma promessa que diz respeito à sua pessoa e ministério profético, enquanto Pedro recebe garantias relativamente ao futuro da Igreja, da nova comunidade fundada por Jesus Cristo e que se prolonga para além da existência pessoal do próprio Pedro, ou seja, por todos os tempos.
           Detenhamo-nos agora no símbolo das chaves, de que nos fala o Evangelho. Ecoa nele o oráculo do profeta Isaías a Eliaquim, de quem se diz: «Porei sobre os seus ombros a chave do palácio de David; o que ele abrir, ninguém fechará; o que ele fechar, ninguém abrirá» (Is 22, 22). A chave representa a autoridade sobre a casa de David. Entretanto, no Evangelho, há outra palavra de Jesus, mas dirigida aos escribas e fariseus, censurando-os por terem fechado aos homens o Reino dos Céus (cf. Mt 23, 13).
           Também este dito nos ajuda a compreender a promessa feita a Pedro: como fiel administrador da mensagem de Cristo, compete-lhe abrir a porta do Reino dos Céus e decidir se alguém será aí acolhido ou rejeitado (cf. Ap 3, 7). As duas imagens – a das chaves e a de ligar e desligar – possuem significado semelhante e reforçam-se mutuamente. A expressão «ligar e desligar» pertencia à linguagem rabínica, aplicando-se tanto no contexto das decisões doutrinais como no do poder disciplinar, ou seja, a faculdade de infligir ou levantar a excomunhão. O paralelismo «na terra (...) nos Céus» assegura que as decisões de Pedro, no exercício desta sua função eclesial, têm valor também diante de Deus.
            No capítulo 18 do Evangelho de Mateus, consagrado à vida da comunidade eclesial, encontramos outro dito de Jesus dirigido aos discípulos: «Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu» (Mt 18, 18). E na narração da aparição de Cristo ressuscitado aos Apóstolos na tarde da Páscoa, São João refere esta palavra do Senhor: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos» (Jo 20, 22-23). À luz destes paralelismos, é claro que a autoridade de «desligar e ligar» consiste no poder de perdoar os pecados. E esta graça, que despoja da sua energia as forças do caos e do mal, está no coração do mistério e do ministério da Igreja.
            A Igreja não é uma comunidade de seres perfeitos, mas de pecadores que se devem reconhecer necessitados do amor de Deus, necessitados de ser purificados através da Cruz de Jesus Cristo. Os ditos de Jesus sobre a autoridade de Pedro e dos Apóstolos deixam transparecer precisamente que o poder de Deus é o amor: o amor que irradia a sua luz a partir do Calvário. Assim podemos compreender também por que motivo, na narração evangélica, à confissão de fé de Pedro se segue imediatamente o primeiro anúncio da paixão: na verdade, foi com a sua própria morte que Jesus venceu as forças do inferno; com o seu sangue, Ele derramou sobre o mundo uma torrente imensa de misericórdia, que irriga, com as suas águas salutares, a humanidade inteira.
            Queridos irmãos, como recordei no princípio, a iconografia tradicional apresenta São Paulo com a espada, e sabemos que esta representa o instrumento do seu martírio. Mas, repassando os escritos do Apóstolo dos Gentios, descobrimos que a imagem da espada se refere a toda a sua missão de evangelizador. Por exemplo, quando já sentia aproximar-se a morte, escreve a Timóteo: «Combati o bom combate» (2 Tm 4, 7); aqui não se trata seguramente do combate de um comandante, mas daquele de um arauto da Palavra de Deus, fiel a Cristo e à sua Igreja, por quem se consumou totalmente. Por isso mesmo, o Senhor lhe deu a coroa de glória e colocou-o, juntamente com Pedro, como coluna no edifício espiritual da Igreja.
            Amados Metropolitas, o pálio, que vos entreguei, recordar-vos-á sempre que estais constituídos no e para o grande mistério de comunhão que é a Igreja, edifício espiritual construído sobre Cristo como pedra angular e, na sua dimensão terrena e histórica, sobre a rocha de Pedro. Animados por esta certeza, sintamo-nos todos juntos colaboradores da verdade, que – como sabemos – é una e «sinfônica», exigindo de cada um de nós e das nossas comunidades o esforço contínuo de conversão ao único Senhor na graça de um único Espírito. Que nos guie e acompanhe sempre no caminho da fé e da caridade, a Santa Mãe de Deus. Rainha dos Apóstolos, rogai por nós! Amém.

Fonte: Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

II Do “Tratado sobre a verdadeira imagem do cristão”, de São Gregório de Nissa, Bispo (PG 46, 283-286, séc. IV)


Por toda a nossa vida manifestemos Cristo

           "São três as coisas que manifestam e distinguem a vida cristã: a ação, a palavra e o pensamento. Das três, tem o primeiro lugar o pensamento. Em seguida, a palavra, que nos revela o pensamento concebido e impresso no espírito. Depois do pensamento e da palavra vem, na ordem, a ação, realizando por fatos o que o espírito pensou. Portanto, se alguma coisa na vida nos induz a agir ou a pensar ou a falar, é necessário que o nosso pensamento, a nossa palavra e a nossa ação sejam orientados para a regra divina daqueles nomes que descrevem a Cristo, de modo a nada pensarmos, nada dizermos e nada fazermos que se afaste do seu alto significado.
           Então, o que terá de fazer aquele que se tornou digno do grande nome de Cristo, a não ser examinar diligentemente os próprios pensamentos, palavras e ações, julgando se cada um deles tende para Cristo ou se lhe são estranhos? De muitas maneiras operamos este magnífico discernimento. Tudo quanto fazemos, pensamos ou falamos com alguma perturbação, de nenhum modo está de acordo com Cristo, mas traz a marca e a figura do inimigo, que mistura a lama das perturbações à pérola da alma para deformar e apagar o esplendor da jóia preciosa.
            O que, porém, está livre e puro de toda afeição desordenada, relaciona-se como Autor e Príncipe da tranqüilidade, o Cristo. Quem dele bebe, como de fonte pura e não poluída, as suas idéias e os seus sentimentos, revelará em si a semelhança com o princípio e a origem, tal como a água na própria fonte é igual à que corre no límpido regato e à que brilha na jarra.
           De fato, é uma só e mesma a pureza de Cristo e a que se encontra em nossos espíritos. Mas a pureza de Cristo brota da fonte, enquanto que a nossa dela flui e chega até nós, trazendo consigo a beleza dos pensamentos para a vida. Portanto, a coerência do homem interior e do exterior aparece harmoniosa, quando os pensamentos que provêm de Cristo guiam e movem a modéstia e a honestidade de nossa vida".

I Do Tratado sobre a verdadeira imagem do cristão, de São Gregório de Nissa, bispo (século IV) (PG 46,254-255)

          
 
 O cristão, outro Cristo
 
          "Paulo sabe quem é Cristo, mais acuradamente do que todos. Com efeito, por suas atitudes mostrou como deve ser quem recebe o nome do Senhor, porque o imitou tão exatamente que revelou em si mesmo o próprio Senhor. Por tal imitação cheia de amor, transferiu seu espírito para o Exemplo, de modo que não mais parecia ser Paulo e sim Cristo, como ele mesmo bem o diz, reconhecendo a graça em si: Quereis uma prova daquele que em mim fala, o Cristo. E mais: Vivo eu, já não eu, mas é Cristo quem vive em mim.
           Manifestou então para nós que força possui este nome de Cristo, ao dizer que Cristo é a Virtude de Deus, a Sabedoria de Deus e deu-lhe os nomes de Paz, Luz inacessível onde Deus habita, Expiação, Redenção, máximo Sacerdote e Páscoa, Propiciação pelas almas, Esplendor da glória e Figura de sua substância, Criador dos séculos, Alimento e Bebida espirituais, Pedra e Água, Fundamento da fé e Pedra angular, Imagem do Deus invisível, grande Deus, Cabeça do Corpo da Igreja, Primogênito da nova criação, Primícias dos que adormeceram, Primogênito entre os mortos, Primogênito entre muitos irmãos, Mediador entre Deus e os homens, Filho unigênito coroado de glória e de honra, Senhor da glória, Princípio das coisas e Rei da justiça, e ainda de Rei da paz, Rei de tudo, Possuidor do domínio sobre o reino que não tem limites.
          Com esses e outros nomes do mesmo gênero designou o Cristo, nomes tão numerosos que não se pode contá-los com facilidade. Se forem combinadas e enfeixadas as significações de cada um, eles nos mostrarão o admirável valor e majestade deste nome, Cristo, que é impossível de traduzir-se por palavras, mas pode ser demonstrado, na medida em que conseguimos entendê-lo com nosso espírito.
          Por ter a bondade de nosso Senhor nos concedido o primeiro, o maior e o mais divino de todos os nomes, o nome de Cristo, nós somos chamados “cristãos”. É necessário, então, que se vejam expressos em nós todos os outros nomes que explicam o nome do Senhor, para não sermos falsamente ditos “cristãos”; mas o testemunhemos com nossa vida".

terça-feira, 26 de junho de 2012

VII Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir (Nn.28-30: CSEL 3,287-289) (Séc. III)




 
Não apenas com palavras,
mas ainda com atos se deve orar

          "Não é de admirar, irmãos caríssimos, que a oração, tal como Deus a ensinou, enfeixe, por seu ensinamento, toda a nossa prece numa breve palavra de salvação. Já pelo profeta Isaías isto tinha sido predito, quando, cheio do Espírito Santo, falava da majestade e bondade de Deus: Verbo que completa e abrevia na justiça, porque Deus fará uma palavra abreviada em todo o orbe da terra. Pois a palavra de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, veio para todos e, reunindo doutos e ignorantes, sexos e idades, lhes deu preceitos salutares, resumindo de tal maneira seus mandamentos, que a memória dos discípulos não sentisse dificuldade com o ensinamento celeste, mas rapidamente aprendesse o que era necessário à simples fé.
           Do mesmo modo, ao ensinar-nos o que seja a vida eterna, condensou o mistério da vida com grande e divina brevidade, dizendo: Esta é a vida eterna, que te conheçam a ti, único e verdadeiro Deus, e a quem enviaste, Jesus Cristo. E ainda, querendo salientar os primeiros e maiores preceitos da lei e dos profetas, diz: Ouve, Israel. O Senhor, teu Deus, é um só Senhor; e Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Este é o primeiro; e o segundo é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas. E de novo: Tudo quanto quiserdes que vos façam os homens, fazei-o a eles. Isto é a lei e os profetas.
          Deus não nos ensinou a orar apenas com palavras, mas também com atos. Ele próprio com freqüência orou e suplicou, mostrando-nos com seu exemplo o que temos de fazer. Está escrito: Ele se afastava para os lugares solitários e adorava. E ainda: Saiu para o monte a fim de orar e passou a noite inteira em oração a Deus.
           O Senhor orava e pedia não para si – que pediria, o inocente, para si? – mas por nossos delitos, como ele mesmo o declarou ao dizer a Pedro: Eis que Satanás procurava joeirar-vos como trigo. Mas eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça. E pouco depois rogou ao Pai por todos, dizendo: Não rogo apenas por estes, mas também por aqueles que irão crer em mim pelas palavras deles, a fim de que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós.
          Imensa benignidade e piedade de Deus para nossa salvação! Não contente de redimir- nos com seu sangue, ainda quis com tanta generosidade rogar por nós. Considerai o desejo daquele que rogou, para que do mesmo modo como o Pai e o Filho são um, assim também nós permaneçamos na mesma unidade" .

VI Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir (Nn.23-24: CSEL 3,284-285) (Séc. III)

 

Nós, filhos de Deus, permaneçamos na paz de Deus

            "Cristo acrescentou claramente uma lei que nos obriga a determinada condição: que peçamos a remissão das dívidas, se nós mesmos perdoarmos aos nossos devedores, sabendo que não podemos alcançar o perdão pedido a não ser que façamos o mesmo em relação aos que nos ofendem. Por esta razão, diz em outro lugar: Com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos. E aquele servo que, perdoado de toda a dívida por seu senhor, mas não quis perdoar o companheiro, foi lançado ao cárcere. Por não ter querido ser indulgente com o companheiro, perdeu a indulgência com que fora tratado por seu senhor.
           Cristo propõe o perdão com preceito mais forte e censura ainda mais vigorosa: Quando fordes orar, perdoai se tendes algo contra outro, para que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe os pecados. Se, porém, não perdoardes, também vosso Pai, que está nos céus, não vos perdoará os pecados. Não te restará a menor desculpa no dia do juízo, quando serás julgado de acordo com tua própria sentença e o que tiveres feito, o mesmo sofrerás.
          Deus ordenou que sejamos pacíficos, concordes e unânimes em sua casa. Mandou que sejamos tais como nos tornou pelo segundo nascimento; assim também ele nos quer renascidos e perseverantes. Deste modo nós, filhos de Deus, permaneçamos na paz de Deus e os que possuem um só Espírito tenham uma só alma e um só coração.
          Deus não aceita o sacrifício do que vive em discórdia e ordena deixar o altar e ir primeiro reconciliar-se com o irmão, para que, com preces pacíficas, possa Deus ser aplacado. Maior serviço para Deus é a nossa paz e concórdia fraterna e o povo que foi feito uno pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
          Nos sacrifícios que Abel e Caim foram os primeiros a oferecer, Deus não olhava os
dons, mas os corações, de forma que lhe agradava pelo dom aquele que lhe agradava pelo coração. Abel, pacífico e justo, sacrificando com inocência a Deus, ensinou os outros a depositar seus dons no altar com temor de Deus, simplicidade de coração, empenho de justiça e de concórdia. Aquele que assim procedeu no sacrifício de Deus tornou-se merecidamente sacrifício para Deus. Sendo o primeiro a dar a conhecer o martírio, iniciou pela glória de seu sangue a paixão do Senhor, por ter mantido a justiça e a paz do Senhor. Esses serão, no fim, coroados pelo Senhor; esses, no dia do juízo, triunfarão com o Senhor.
          Quanto aos discordantes, aos dissidentes, aos que não mantêm a paz com os irmãos, mesmo que sejam mortos pelo nome de Cristo, não poderão, conforme o testemunho do santo Apóstolo e da Sagrada Escritura, escapar do crime de desunião fraterna, pois está escrito: Quem odeia seu irmão é homicida. Não chega ao reino dos céus nem vive com Deus um homicida. Não pode estar com Cristo quem preferiu a imitação de Judas à de Cristo".

V Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir (Nn.18.22: CSEL 3,280-281.283-284) (Séc.III)

 

Depois do pão, pedimos o perdão dos pecados

            "Continuando a oração, fazemos o pedido: O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Pode- se entendê-lo tanto espiritual como naturalmente. De ambos os modos Deus se serve para nossa salvação. Cristo é o pão da vida e este pão não é de todos, é nosso. Assim como dizemos Pai nosso, por ser Pai dos que entendem e crêem, assim dizemos pão nosso, porque Cristo é o pão dos que comem o seu corpo. Pedimos a dádiva deste pão, todos os dias; não aconteça que nós, que estamos em Cristo e diariamente recebemos sua eucaristia como alimento de salvação, sobrevindo alguma falta mais grave, nos abstenhamos e sejamos privados de comungar o pão celeste e venhamos a nos separar do corpo de Cristo, porque são suas as palavras: Eu sou o pão da vida, que desci do céu. Se alguém comer deste pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo.
           Assim, dizendo ele que viverá eternamente quem comer deste pão, como é evidente que vivem aqueles que pertencem ao seu corpo e recebem a eucaristia nas devidas disposições, é de se temer, pelo contrário, que se afaste da salvação aquele que se abstém do corpo de Cristo, conforme a advertência do Senhor: Se não comerdes da carne do Filho do homem e não beberdes de seu sangue, não tereis a vida em vós. Por  este motivo, pedimos que nos seja dado diariamente nosso pão, o Cristo, para que não nos apartemos de sua santificação e de seu corpo, nós os que permanecemos e vivemos em Cristo.
           Em seguida, também suplicamos pelos nossos pecados: E perdoai as nossas dívidas,
assim como nós perdoamos aos nossos devedores. Depois do pão, pedimos o perdão dos pecados.
           Quão necessária, providencial e salvadora a advertência de sermos pecadores, e obrigados a rogar a Deus pelos pecados! Porque, quando recorre à indulgência de Deus, a alma se lembra de sua condição. Para que ninguém esteja contente consigo, como se fosse inocente e pela soberba se perca mais completamente, quando se lhe ordena pedir todos os dias perdão pelos pecados, cada um toma consciência de que diariamente peca.
          Assim também João, em sua carta, nos adverte: Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não estará em nós. Se porém confessarmos nossas culpas, o Senhor, justo e fiel, perdoar-nos-á os pecados. Em sua carta reuniu as duas coisas: o dever de rogar pelos pecados e, rogando, suplicar a indulgência. Por isso diz que o Senhor é fiel, mantendo a sua promessa de perdoar as culpas, pois quem nos ensinou a orar por nossas dívidas e pecados também prometeu, logo em seguida, a misericórdia paterna e o perdão".

IV Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir (Nn.13-15: CSEL 3,275-278) (Séc.III)

 

Venha a nós o vosso reino.
Seja feita a vossa vontade

           "A oração continua. Venha a nós o vosso reino. Pedimos que o reino de Deus se torne presente a nós, da mesma forma que solicitamos seja em nós santificado o seu nome. Porque, quando é que Deus não reina? Ou quando para ele começou o reino que sempre existiu e nunca deixará de ser? Pedimos a vinda de nosso reino, prometido por Deus e adquirido pelo sangue e paixão de Cristo, a fim de que nós que fomos, outrora, escravos do mundo, reinemos depois, conforme ele nos anunciou, pelo Cristo glorioso, ao dizer: Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do reino que vos está preparado desde a origem do mundo.
           Pode-se igualmente, irmãos diletíssimos, entender que o próprio Cristo é o reino de Deus, cuja vinda pedimos todos os dias. Estamos ansiosos por ver esta vinda o mais depressa possível. Sendo ele a ressurreição, pois nele ressurgimos, assim também se pode pensar que ele é o reino de Deus, pois nele reinaremos. Pedimos, é claro, o reino de Deus, o reino celeste, já que há um reino terrestre. Mas quem já renunciou ao mundo está acima desse reino terrestre e de suas honrarias.
          Acrescentamos ainda: Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. Não para que Deus faça o que quer, mas para que possamos fazer o que Deus quer.
          Pois quem impedirá a Deus de fazer tudo quanto quiser? Mas porque o diabo se opõe a que nossa vontade e ações em tudo obedeçam a Deus, oramos e pedimos que se faça em nós a vontade de Deus. Que se faça em nós é obra da vontade de Deus, isto é, resultado de seu auxílio e proteção, porque ninguém é forte por suas próprias forças. Com efeito, é a indulgência e a misericórdia de Deus que o protegem. Finalmente, manifestando a fraqueza de homem, diz o Senhor: Pai, se possível, afaste-se de mim este cálice e, dando aos discípulos o exemplo de renunciar à própria vontade e de aceitar a de Deus, acrescentou: Contudo não o que eu quero, mas o que tu queres.
          A vida humilde, a fidelidade inabalável, a modéstia nas palavras, a justiça nas ações, a misericórdia nas obras, a disciplina nos costumes; o não fazer injúrias; o tolerar as recebidas; o manter a paz com os irmãos; o amar a Deus de todo o coração; o amá-lo por ser Pai; o temê-lo por ser Deus; o nada absolutamente antepor a Cristo,pois também ele não antepôs coisa alguma a nós; o aderir inseparavelmente à sua caridade; o estar ao pé de sua cruz com coragem e confiança, quando se tratar de luta por seu nome e sua honra, o mostrar firmeza ao confessá-lo por palavras, e, no interrogatório, o manter a confiança naquele por quem combatemos, e, na morte, o conservar a paciência que nos coroará, tudo isto é querer ser co-herdeiro de Cristo, é cumprir o preceito de Deus, é realizar a vontade do Pai".

III Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir (Nn.11-12: CSEL 3,274-275) (Séc.III)

 

Santificado seja o vosso nome

          "Quanta indulgência do Senhor, quanta consideração por nós e quanta riqueza de bondade em querer que realizássemos nossa oração, na presença de Deus, chamando-o de Pai, e que, da mesma forma que Cristo é Filho de Deus, também nós recebamos o nome de filhos de Deus. Nenhum de nós ousaria chamá-lo Pai na oração, se ele próprio não nos permitisse orar assim. Irmãos diletíssimos, cumpre-nos ter sempre em mente e saber que, quando damos a Deus o nome de Pai, temos de agir como filhos: como a nossa alegria está em Deus Pai, também ele encontre sua alegria em nós.
           Vivamos quais templos de Deus, para que se veja que em nós habita o Senhor. Não seja a nossa ação indigna do Espírito, pois se já começamos a ser espirituais e celestes, pensemos e façamos somente coisas celestes e espirituais, conforme disse o próprio Senhor Deus: Àqueles que me glorificam, eu os glorificarei e àqueles que me desprezam, os desprezarei. Também o santo Apóstolo escreveu em uma epístola: Não vos possuís, pois fostes comprados por alto preço. Glorificai e levai a Deus em vosso corpo.
           Em seguida dizemos: Santificado seja o vosso nome, não que desejemos ser Deus santificado por nossas orações, mas que peçamos ao Senhor seja seu nome santificado em nós. Aliás, por quem seria Deus santificado, ele que santifica? Mas já que disse: Sede santos porque eu sou santo, pedimos e rogamos que nós, santificados pelo batismo perseveremos no que começamos a ser. Cada dia pedimos o mesmo. A santificação cotidiana é necessária para nós pois, cada dia, falhamos e temos de purificar nossos delitos por assídua santificação.
           O Apóstolo descreve qual seja a santificação que,pela condescendência de Deus, nos é dada: Nem fornicadores nem idólatras, adúlteros, nem efeminados, sodomitas, nem ladrões nem fraudulentos, nem ébrios, maldizentes, nem usurpadores alcançarão o reino de Deus. Na verdade fostes tudo isto, mas fostes lavados, fostes justificados, santificados, em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus. Diz-nos santificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus. Oramos para que esta santificação permaneça em nós. Se o Senhor e nosso juiz advertiu aquele que curara e vivificara de não mais pecar, para que não lhe adviesse coisa pior, fazemos este pedido por contínuas orações, suplicamos dia e noite a fim de que, por sua proteção, nos seja guardada a santificação vivificante que procede da graça de Deus".

II Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir (Nn.8-9: CSEL 3,271-272) (Séc.III)

 


Nossa oração é pública e universal

          "Antes do mais, o Doutor da paz e Mestre da unidade não quis que cada um orasse sozinho e em particular, como rezando para si só. De fato, não dizemos: Meu Pai que estais no céus; nem: Meu pão dai-me hoje. Do mesmo modo não se pede só para si o perdão da dívida de cada um ou que não caia em tentação e seja livre do mal, rogando cada um para si. Nossa oração é pública e universal e quando oramos não o fazemos para um só, mas para o povo todo, já que todo o povo forma uma só coisa.
           O Deus da paz e Mestre da concórdia, que ensinou a unidade, quis que assim orássemos, um por todos, como ele em si mesmo carregou a todos.
           Os três jovens, lançados na fornalha ardente, observaram esta lei da oração, harmoniosos na prece e concordes pela união dos espíritos. A firmeza da Sagrada Escritura o declara e, narrando de que maneira eles oravam, apresenta-os como exemplo a ser imitado em nossas preces, a fim de nos tornarmos semelhantes a eles. Então, diz ela, os três jovens, como por uma só boca, cantavam um hino e bendiziam a Deus. Falavam como se tivessem uma só boca e Cristo ainda não lhes havia ensinado a orar.
           Por isto a palavra foi favorável e eficaz para os orantes. De fato, a oração pacífica, simples e espiritual, mereceu a graça do Senhor. Do mesmo modo vemos orar os apóstolos e os discípulos, depois da ascensão do Senhor. Eram perseverantes, todos unânimes na oração com as mulheres e Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos. Perseveravam unânimes na oração, manifestando tanto pela persistência como pela concórdia de sua oração, que Deus que os faz habitar unânimes na casa, só admite na eterna e divina casa aqueles cuja oração é unânime. De alcance prodigioso, irmãos diletíssimos, são os mistérios da oração dominical! Mistérios numerosos, profundos, enfeixados em poucas palavras, porém, ricas em força espiritual, encerrando tudo o que nos importa alcançar!
           Rezai assim, diz ele: Pai nosso, que estais nos céus.
          O homem novo, renascido e, por graça, restituído a seu Deus, diz, em primeiro lugar, Pai!, porque já começou a ser filho. Veio ao que era seu e os seus não o receberam. A todos aqueles que o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, aqueles que crêem em seu nome. Quem, portanto, crê em seu nome e se fez filho de Deus, deve começar por aqui, isto é, por dar graças e por confessar-se filho de Deus ao declarar ser Deus o seu Pai nos céus" .

I Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir (Nn.4-6: CSEL 3,268-270) (Séc.III)

 

Brote a oração do coração humilde

         "Haja ordem na palavra e na súplica dos que oram, tranqüilos e respeitosos. Pensemos estar na presença de Deus. Sejam agradáveis aos olhos divinos a posição do corpo e a moderação da voz. Porque se é próprio do irreverente soltar a voz em altos brados, convém ao respeitoso orar com modéstia. Por fim, ensinando-nos, ordenou o Senhor orarmos em segredo, em lugares apartados e escondidos, até nos quartos, no que auxilia a fé por sabermos estar Deus presente em toda a parte, ouvir e ver a todos e na plenitude de sua majestade penetrar até no mais oculto. Assim está escrito: Eu sou Deus próximo e não Deus longínquo. Se se esconder o homem em antros, acaso não o verei eu? Não encho o céu e a terra? E de novo: Em todo lugar os olhos de Deus vêem os bons e os
maus.
          Quando nos reunimos com os irmãos e celebramos como sacerdote de Deus o sacrifício divino, temos de estar atentos à reverência e à disciplina devidas. Não devemos espalhar a esmo nossas preces com palavras desordenadas, nem lançar a Deus com tumultuoso palavrório os pedidos, que deveriam ser apresentados com submissão, porque Deus não escuta as palavras e sim o coração. Com efeito, não se faz lembrado por clamores Aquele que vê os pensamentos, como o Senhor mesmo provou ao dizer: Que estais
pensando de mal em vossos corações? E em outro lugar: E saibam todas as Igrejas que eu sou quem perscruta os rins e o coração.
          Ana, no Primeiro Livro dos Reis, como figura da Igreja, tem esta atitude, ela que suplicava a Deus não aos gritos, mas silenciosa e modesta, no mais secreto do coração. Falava por prece oculta e fé manifesta, falava não com a voz mas com o coração, pois sabia ser assim ouvida pelo Senhor. Obteve plenamente o que pediu porque o suplicou com fé. A Escritura divina declara: Falava em seu coração, seus lábios moviam-se, mas não se ouvia som algum e o Senhor a atendeu. Lemos também nos salmos: Rezai em vossos corações e compungi-vos em vossos aposentos. Através de Jeremias ainda o mesmo Espírito Santo inspira e ensina: No coração deves ser adorado, Senhor.
          O orante, irmãos caríssimos, não ignora por certo como o publicano orou no templo,
com o fariseu. Não com olhos orgulhosos levantados para o céu nem de mãos erguidas com jactância, mas batendo no peito, confessando os pecados ocultos em seu íntimo, implorava o auxílio da misericórdia divina. Por que o fariseu se comprazia em si mesmo, mais mereceu ser santificado aquele que rogava sem firmar a esperança da salvação na presunção de sua inocência, já que ninguém é inocente; rezava, porém, reconhecendo seus pecados; e atendeu ao orante aquele que perdoa aos humildes".

sábado, 23 de junho de 2012

Frases de São Bernardo, abade e doutor da Igreja


"Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria. Que ela não se afaste dos teus lábios, não se afaste do teu coração”.

“Tudo o que temos de benefícios de Deus, nós o recebemos pela intercessão de Maria. E por que é assim? Porque Deus assim o quer”.

“Quem somos nós, e qual a nossa força para resistirmos a tantas tentações? Certamente era isso que Deus queria: que nós, vendo a nossa insuficiência e a falta de auxílio, recorrêssemos com toda a humildade à sua misericórdia”.

“Maria recebeu de Deus uma dupla plenitude de graça. A primeira foi o Verbo eterno feito homem nas suas puríssimas entranhas. A segunda é a plenitude das graças que, por intermédio desta divina Mãe, recebemos de Deus”.

“O avarento está sempre faminto como um mendigo, nunca chega a ficar satisfeito com os bens que deseja. O pobre, como senhor de tudo, despreza-os, pois não deseja nada”.

“A oração controla os nossos afectos e dirige as nossas acções para Deus”

“Não consideres tanto o que sofres, mas o que Jesus sofreu por ti”.

“O que é Deus? Ele é ao mesmo tempo comprimento, largura, altura e profundidade… Esse comprimento, o que é ele? A eternidade, pois ela é tão longa que não tem limites seja quanto ao lugar, seja quanto ao tempo. É Deus também largura? E essa largura, o que é ela senão a caridade que se estende até ao infinito? Deus é altura e profundidade; e por essa altura deveis entender o seu poder; e por profundeza, a sua sabedoria. Ó sabedoria cheia de poder que chega a todos os recantos com força. Ó poder cheio de sabedoria que tudo dispõe com doçura”

“Os clérigos que estudam por puro amor da ciência: é uma curiosidade ignominiosa; outros o fazem para alardear um renome de sábios: é uma vaidade vergonhosa… outros ainda estudam e vendem o seu saber em troca de dinheiro e honras: é um tráfico vergonhoso. Mas há também os que estudam para edificar o seu próximo: é uma obra de caridade; outros, finalmente, para edificar a si mesmos: é uma atitude de prudência…”

“Se a pobreza não fosse um grande bem, Jesus Cristo não teria escolhido para si, nem a teria deixado em herança para os seus preferidos”.

“Fica sabendo, ó cristão, que mais se merece em participar devotamente de uma só Missa do que com distribuir todas as riquezas aos pobres e peregrinar por toda a terra”

“Amo porque amo, amo para amar. Grande coisa é o amor, contanto que vá ao seu princípio, volte à sua origem, mergulhe na sua fonte, sempre beba donde corre sem cessar”.

“Deus é sabedoria e quer ser amado não só suave mas também sapientemente… Aliás com muita facilidade o espírito do erro escarnecerá do teu zelo, se desprezares a ciência; nem o astuto inimigo tem instrumento mais eficaz para arrancar do coração o amor, do que conseguir que no mesmo amor se ande incautamente, e não com a razão”

“O servo de Maria não pode perecer”.

“Maria é a onipotência suplicante”.

“Quem não medita não julga com severidade a si mesmo, porque não se conhece”

“Há o espírito de sabedoria e de inteligência que, à maneira da abelha que produz cera e mel, tem com que acender a luz da ciência e infundir o sabor da graça. Não espere, portanto, receber o beijo, nem o que compreende a verdade, mas não a ama; nem o que a ama, mas não a compreende”

“Quando Deus ama não quer outra coisa senão ser amado, já que ama para ser amado; porque bem sabe que serão felizes pelo amor aqueles que O amarem”.

“Ó Virgem cheia de bondade, o pobre Adão, expulso do paraíso com a sua mísera descendência, implora a tua resposta; Abraão a implora, Davi a implora. Os outros patriarcas, teus antepassados, que também habitam a região da sombra da morte, suplicam esta resposta. O mundo inteiro a espera, prostrado aos teus pés”.

“A Eucaristia é o amor que supera todos os outros amores no céu e na terra”

“Deus depositou em Maria a plenitude de todo o bem”.

“Onde há amor, não há canseira, mas gosto”.

“São fortes as potências do inferno, entretanto, a oração é mais forte do que todos os demónios”.

“Possuireis todas as coisas sobre as quais se estender a vossa confiança. Se esperais muito de Deus, Ele fará muito por vós. Se esperais pouco, Ele fará pouco”.

“O amor do Esposo, ou melhor, o Esposo-Amor, somente procura a resposta do amor e a fidelidade. Seja permitido à amada corresponder ao amor! Por que a esposa e esposa do Amor não deveria amar? Por que não seria amado o Amor?”

“A causa para amar a Deus é o próprio Deus; a medida, é amá-lo sem medida”.

“Oh! amor santo e casto! Oh! doce e suave afecto!… Tanto mais doce e suave, porque é todo divino o sentimento que se prova. Experimentá-lo é divinizar-se”.

“É melhor para mim, Senhor, abraçar-te na tribulação e estar contigo na fornalha, do que estar sem ti até mesmo no Céu”.

“Que faria a ciência sem o amor? Envaideceria. Que faria o amor sem a ciência? Erraria”.

“Por vós, Maria, temos acesso ao Filho, por vós que achaste a graça, Mãe da Salvação, para que por vós nos receba Aquele que por vós nos foi dado”.

“Da cruz e das chagas do nosso Redentor sai um grito para nos fazer entender o amor que Ele nos tem”.

“Busquemos a graça, mas busquemos por intermédio de Maria! Por ela acha-se o que se busca e não se pode ser desatendido”.

“Todo o nosso mérito consiste em confiarmos plenamente em Deus”.

“A nossa esperança não pode ser incerta, pois que ela se apóia nas promessas divinas”.

“Com a oração a alma consegue o auxílio divino, diante do qual desaparece todo o poder das criaturas”.

“Existe indubitavelmente uma espantosa analogia entre o azeite e o nome do Amado, pelo que a comparação apresentada pelo Espirito Santo não é arbitrária. A não ser que possais sugerir algo de melhor, afirmarei que o nome de Jesus possui semelhança com o azeite na tripla utilidade deste último, nomeadamente, para iluminar, na alimentação e como lenitivo. Mantém a chama, alimenta o corpo, alivia a dor. É luz, alimento e medicina. Observai como as mesmas propriedades podem ser encontradas no nome do noivo divino. Quando pronunciado fornece luz; quando meditado, alimenta; quando invocado, serena e abranda”.

“Deus quis que não recebêssemos nada que não passe pelas mãos de Maria”

“A vista ofuscada pela raiva não vê bem”.

“Quando estou dividido em mim mesmo é porque não estou unido a Deus”.

“Quando se vê uma pessoa perturbada, a causa da perturbação não é outra coisa senão a incapacidade de satisfazer a própria vontade”.

“Não é a pobreza que é considerada virtude, mas o amor à pobreza”.

“Ninguém tenha em pouca conta a oração, porquanto Deus não a tem em pouca conta; pois Ele ou dá o que pedimos, ou dá o que deve ser-nos mais útil”.

“Tal é a vontade de Deus, que quis que tenhamos tudo por Maria”.

“Toda a alma que ama a Deus, torna-se sua esposa”.

“A humilhação leva-nos à humildade, assim como a paciência à paz e o estudo à ciência. Quereis experimentar se a vossa humildade é verdadeira, até onde vai, se adianta ou recua? As humilhações vos fornecerão o meio”.

“Quando a caridade vem e é perfeita, realiza a união espiritual, e serão dois (Deus e alma) não numa só carne mas num só espírito, tal como diz o apóstolo: ‘Quem nos aproximamos de Deus tornamo-nos um só espírito com Ele’ (I Cor 6,17). Se ama perfeitamente, a alma está desposada com Deus. Amor mútuo, íntimo, válido, que não vive numa só carne, mas que une num só espírito, e de dois faz um só”.

“Poderíamos definir a humildade assim: ‘É uma virtude que estimula o homem a menosprezar-se diante da clara verdade do seu próprio conhecimento’”.

“Tu encontrarás mais coisas nas florestas do que nos livros; as árvores e as pedras ensinar-te-ão mais do que qualquer mestre te poderá dizer”.

“Amemos e seremos amados. Naqueles que amamos encontraremos repouso, e o mesmo repouso ofereceremos a todos os que amamos. Amar em Deus é ter caridade; procurar ser amado por Deus é servir à caridade”.

“Só nos casos de confiança o Senhor deita o azeite da sua misericórdia”.

“Quereis um advogado junto a Jesus? Recorrei a Maria, pois nela não há senão pura compaixão pelos males alheios. Pura não só porque ela é imaculada, mas porque nela só existe compaixão pura e simples. Digo-o sem hesitar: Maria será ouvida devido à consideração que lhe é devida. O Filho ouvirá a Mãe, e o Pai, seu Filho. Eis, pois, a escada dos pecadores, minha absoluta confiança; eis todo o fundamento da minha esperança”.

“‘Senhor, que queres que eu faça?’ (pergunta Paulo). É esta certamente a forma de uma perfeita conversão. Quão poucos se ajustam a esta forma de perfeita obediência que, de tal modo tenham abdicado dà vontade-própria que nem sequer mais tenham o seu próprio coração e a toda a hora se perguntem, não o que eles querem, mas o que o Senhor quer”.

“Que união feliz! Que união feliz, se já a experimentaste! Bem a conhecia, por experiência, o Salmista ao exclamar: ‘ A minha felicidade, ó Deus, é estar junto de Ti’ (Sl 72,28). Sim, é muito bom se te unes a Deus com todo o teu ser. E quem então adere tão perfeitamente a Deus? Aquele que, habitando em Deus, sendo amado por Deus, atrai Deus a si com um amor recíproco”.

“O amor não busca outro motivo e nenhum fruto fora de si; ele é o seu próprio fruto, o seu próprio deleite”.

“Ser deificado é tornar-se caridade porque Deus é caridade; por isso todos os esforços da alma devem ter como alvo a caridade. A caridade dá a visão de Deus e a semelhança a Deus”.

“Recorre a Maria! Sem a menor dúvida eu digo, certamente o Filho atenderá a sua Mãe”.

“Para chegarmos à perfeição temos necessidade da meditação e da petição; pela meditação vemos o que nos falta; pela súplica recebemos o que nos é necessário”.

“Quem recorreu à Vossa proteção e foi por Vós desamparado, ó Maria?”

“Desapareça a vontade própria e não haverá inferno”.

“Se os homens fizessem guerra à vontade própria, ninguém se condenaria”.

“Não há música mais suave, palavra mais jubilosa, pensamento mais doce que Jesus, Filho de Deus!”.

“Não se poderiam encontrar palavras mais suaves para exprimir as doces e recíprocas relações que se dão entre Deus e a alma unida ao seu corpo ressuscitado, que as de esposo e esposa. Como estes possuem tudo em comum, nada de particular, nada de dividido, ambos têm uma herança, uma casa, uma mesa, um quarto conjugal, um mesmo corpo”