sábado, 19 de maio de 2012

Teologia da Eucaristia

          

         O sacramento da Eucaristia é o ápice da vida do crente. Pela presença do Senhor Jesus, real e vivo, nesse sacramento, a graça de Deus, manifestada sobretudo na morte e ressurreição de Seu Filho unigênito (cf. Rm 5,8-11), se torna sensível aos fiéis e é celebrada pela Igreja, quando faz presente, pelo Espírito Santo, o único sacrifício de Cristo (cf. Hb 10,11-12) realizado na cruz. A mesa da Eucaristia, o Calvário que é renovado pelo altar, reúne os cristãos locais e do mundo inteiro para, real e espiritualmente, oferecerem sacríficio de louvor (cf. Ef 5,1-2) e assisitirem o Cristo ressuscitado, que, por Seu corpo glorioso, não é preso a noção espaço-temporal, e, por essa razão "é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente" (Hb 13,8), tornar presente Sua entrega máxima, para expiação dos pecados da Igreja, Povo de Deus.
           A Eucaristia, cujo significado vem do grego, e quer dizer "ação de graças", possui inúmeros aspectos teológicos e de piedade a serem analisados. Antes de tudo, ela é a comemoração da morte de Jesus, na cruz (cf. Jo 19,30), e de Sua ressurreição gloriosa (cf. Mc 16,1-6). Jesus, ao instituir a celebração eucarística, diz "fazei isso em memória de mim" (Lc 22,19; I Co 11,24). Contudo, essa memória (gr. anamnesis), em sua raiz lingüística, não significa o mesmo "memória" usado nas línguas latinas. Pode ser traduzido, como se falou na parte propedêutica desse estudo, como "recordar tornando presente". Por isso, essa comemoração é atual, pois o sacrifício é renovado, é tornando presente. Não se trata de um novo sacrifício, nem de um complemento do sacrifício anterior, pois a Bíblia afirma que Jesus se entregou de uma só vez (cf. Hb 10, 12), e essa entrega foi suficiente para nos merecer a justificação (cf. Tg 3,7; Rm 3,24; 5,8-9), segundo a nossa fé (cf. Rm 1,17; Hb 10,38). É o antigo, o único sacrifício, cruento, que se realiza aos olhos do crente atual, visto que Deus é o Senhor do tempo (cf. Gn 21,2; Sl 31,15/heb). "Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor..." (I Co 11,26).
           A Eucaristia é, ainda, o testemunho da unidade dos cristãos. Por isso é chamada de comunhão (gr. koinonia). Reunidos em um mesmo lugar, eles partem o pão (cf. At 2,42), ou seja, reconhecem que o irmão, lavado por Jesus, também deve participar da Ceia Santíssima. Por isso, Jesus exorta ao cumprimento da disciplina espiritual que ordena que o participante do altar deva primeiro se reconciliar com o irmão antes de comungar do sacrifício (cf. Mt 5,23-24). Também o apóstolo Paulo alerta sobre algo semelhante, e ainda abrange toda a sorte de pecados, que devem se evitados afim de que possamos participar dignamente da Eucaristia. Uma vez que somos um só Corpo Místico (cf. I Co 12), não devemos atentar contra a nossa saúde espiritual, pois afetamos a saúde de todo o corpo. Assim, São Paulo lembra de não comungarmos da Ceia em estado de pecado: "Portanto, qualquer que comer este pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão, e beba deste cálice." (I Co 11,27-28). Sem a graça de Deus nos perdoando, não podemos participar dignamente da Eucaristia.
           A celebração tem também o seu aspecto escatológico, uma vez que celebramos "... até que venha" (I Co 11,26) o Senhor Jesus. É na celebração da morte de Cristo que encontramos motivação para estarmos santos, e nos abstermos de tudo o que procede do mal (cf. I Ts 5,22). Na Ceia, prefiguramos o céu, e mesmo o Reino que há de vir, como que num banquete celeste com o Cordeiro e todos os salvos (cf. Mt 8,11; 22,1-14; Mc 14,25; Lc 13,29; 22,17-18.30). A própria liturgia eucarística nos lembra esse pedido para a parusia do Senhor. Nas diversas orações das liturgias ocidental e oriental, a menção à característica escatológica da celebração sacramental é marcante. É o Corpo do Senhor que nos dá forças para esperarmos Sua Volta Gloriosa, para arrebatar os crentes (cf. I Ts 4,15-17), e para clamarmos: Maranata! "Ora, vem, Senhor Jesus!" (Ap 22,20).
          Também é na Liturgia Eucarística que testemunhamos ao mundo nossa adesão a Cristo, nosso reconhecimento de Seu senhorio (cf. Rm 10,9) em nossa vida. Nesse testemunho, louvamos ao Pai, com ação de graças (de onde o nome grego eucharistia), sobretudo pelo motivo pelo qual celebramos o sacramento, isto é, pela salvação advinda da morte e ressurreição de Cristo, mas também por todas as bênçãos recebidas, espirituais e materiais. A Eucaristia é o alimento dos crentes (cf. Jo 6,50-51). "Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo. E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos. Porque isto é o meu sangue, o sangue o Novo Testamento, que é derramado por muitos, para a remissão dos pecados." (Mt 25,26-28).
           Destacamos alguns termos que são usados na teologia clássica para o estudo da dogmática sacramental. Existem a matéria e a forma. Na celebração da Eucaristia, a matéria são as espécies de pão e vinho, enquanto a forma são as palavras da instituição da Ceia. Para a validade, se requer ainda a intenção de celebrar (mesmo que não o sacerdote não creia, ele precisa querer fazer o que a Igreja Católica faz, e isso é demonstrado quando do seguimento das rubricas, por exemplo), e o poder (gr. dynamis) carismático dado ao celebrante (ou seja, deve ser um sacerdote validamente ordenado - católico romano, ortodoxo, vétero-católico, jansenista ou outro cismático que mantenha as Ordens válidas). São Tomás de Aquino chamou a mudança das substâncias de pão e vinho em Corpo e Sangue do Senhor, de transubstanciação.
         A partir de estudos de teologia patrística, sobretudo Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São João Crisóstomo, chegou à conclusão que Cristo se fazia realmente presente na Eucaristia, e que as espécies de pão e vinho se transformavam, em sua substância, em verdadeira Carne e verdadeira Bebida do Senhor. O Catecismo qualifica o sacrifício eucarístico como ação de graças, memorial e presença. Ação de graças, pois é reconhecimento do louvor e da glória de Deus. Sob esse aspecto, unimo-nos à multidão dos anjos e aos santos do céu, tornando nossas liturgias um só ato de adoração. É, sobretudo dirigida ao Pai. Como memorial, tornamos presente o sacrifício que nos liberta do pecado.
          "A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, a atualização e a oferta sacramental do seu único sacrifício na liturgia da Igreja, que é o corpo dele." (Cat. 1362).
Ensina o Concílio Ecumênico de Trento: "[Cristo] nosso Deus e Senhor ofereceu-se a si mesmo a Deus Pai uma vez por todas, morrendo como intercessor sobre o altar da cruz, a fim de realizar por eles (os homens) uma redenção eterna. Todavia, como a sua morte não devia pôr fim ao sacerdócio (cf. Hb 7,24.27), na Última Ceia, 'na noite em que foi entregue' (I Co 11,13), quis deixar à Igreja, sua Esposa muito amada, um sacrifício visível (como o reclama a natureza humana) em que seria re-presentado (feito presente) o sacrifício cruento que ia realizar-se uma vez por todas uma única vez na cruz, sacrifício este cuja memória haveria de perpetuar-se até o fim dos séculos (I Co 11,23) e cuja virtude salutar haveria de aplicar-se à redenção dos pecados que cometemos cada dia." (DS 1740)
           "Neste divino sacrifício que se realiza na missa, este mesmo Cristo, que se ofereceu a si mesmo uma vez de maneira cruenta no altar da cruz, está contido e é imolado de maneira incruenta." (DS 1743) É a Missa também uma presença. Mais do que a presença espiritual de Cristo, que, por sua promessa, se dá todas as vezes que dois ou mais se reúnem em Seu Nome. Mais do que a presença simbólica nas espécies eucarísticas, como pretendem os batistas e pentecostais clássicos. Mais do que a presença real apenas do poder de Cristo nos elementos, como ensinou, erroneamente, Calvino. Mais do que a coexistência entre pão, vinho, Corpo e Sangue, numa consubstanciação de forte tradição luterana. A presença de Cristo na Eucaristia é real, pois ela é a essência do Sacramento do Altar.
           Para haver um verdadeiro sacrifício, deve existir uma verdadeira vítima. Essa vítima, tornada presente, é Cristo. Um sacrifício único se torna novamente presente. E Jesus se torna novamente presente, também. Não um novo sacrifício, como também não é um outro Jesus Cristo que se oferece. "(...) se torna novamente presente a vitória e o triunfo de Sua morte." (Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XIII, Decreto "De Ss. Eucharistia", 5)
            "Pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na Cruz." (Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XXII, Decreto "De Ss. Missae Sacrificio", 2)

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